domingo, 8 de dezembro de 2013

Amadurecimento.



Eu queria um dragão. Que cuspisse fogo, de preferência. Algo que representasse a linha tênue entre a selvageria e a delicadeza dos contos de fada, a eloquência mitológica das batalhas principescas medievais como alegoria de uma sociedade que busca um lado pra acreditar, a ideia de um ser implacável no céu e na terra e coisas do tipo. Ela disse que isso era bizarro. Daí a gente tatuou o símbolo do infinito no pulso mesmo.

Depois de um ano de namoro ela falava orgulhosa para os nossos amigos em comum o quanto eu tinha mudado. Agora eu só jogava vídeo game escondido e atuava até bem quando o assunto era música pop. Aposentei minha coleção de autoramas, meus gibis do Stan Lee e minha Telecaster azul. Aprendi, não sem muita relutância, a lógica de ter que fazer a barba pelo menos de três em três dias. E ela parecia feliz quando eu me adequava pouco a pouca à sua vida. Mas não. 

Foi quando eu estava quase parecendo um retrato falado de tudo aquilo que nunca quis ser que ela chegou e disse "Você não é mais o mesmo. O quê que aconteceu?". E ponto. E deu vontade de vomitar todo o sentimento de revolta por estar usando aquela bermuda jeans salmão só pra combinar com seu vestidinho pastel. "Acho que é o cabelo", respondi, tentando parecer engraçado e engolindo pra dentro meu desconforto. "Não, você mudou. Eu sabia que eu iria me decepcionar. Minhas amigas sempre me disseram que você não teria a capacidade de amadurecer, de deixar de ser criança um dia!" Ouvi calado. Não me aparecia uma frase em mente que não começasse com um xingamento e terminasse com outro. E ela chorou por ter falado sozinha. Que sentia vergonha por ter gente olhando seu barraco e me abraçou. Restou-me mudar o foco dizendo que gostava muito dela. E ela propôs que fizéssemos uma tatuagem que simbolizasse nossa nova fase. Nossa evolução como casal. Puto que sou, aceitei.

Hoje nossas peles são páginas viradas. Não quero contestar os motivos. Não há um "se". Se eu tivesse sido diferente, se eu tivesse me interessado mais, se não houvesse me deixado levar. Fomos o que demos pra ser e isso, brega como a tatuagem que você escolheu, foi o que ficou. Não que eu não tenha aprendido nada com isso. Usando lente de contato posso brincar de Clark Kent virando super homem sem topar meu pé na porta. E você pode fazer como a moça da revista tatuando um sapo por cima. Acho que tô mais pra dragão, mas você anda dizendo por aí que foi isso que seu príncipe virou.


Um comentário:

  1. Adoro a forma como você proseia seus relatos de principados e moçoilas que não sabem bem o que querem, mas querem sem saber.
    Está lindo!
    Abraço!!

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