sábado, 8 de dezembro de 2012

Das alianças e letreiros dourados.



É caro - disse ela. Eu já sabia. E ficávamos nos perguntando o que havia de verdadeiro ali, aquilo que nos prendia toda vez que passávamos em frente daquela placa: Amadelle Noivas. A composição era demais. Letras douradas num fundo preto. Parecia que tudo ficava calmo ao olhar aqueles vestidos brancos enormes, cheios de coisinhas que brilhavam com qualquer incidência de luz, extrovertidos. Vestidos extrovertidos. Alheios a tudo. Estava na cara que tudo que havia naquela loja fora insistentemente treinado a fazer cara de feliz. E isso era tudo que a gente precisava. Ser feliz, brilhante e, porque não, alheio.

Morávamos à três quarteirões daquele letreiro chamativo e precisávamos passar por ele pra tudo. Ir à padaria, chegar na parada de ônibus ou até mesmo por perambulância. Perambulânica. Palavra boba, acho até que nem existe no dicionário. O fato é que só morávamos juntos. Um casamento cheio de amor, compreensão e cuidado, mas sem alianças. Digo, tínhamos aliança sim, de afeto e confidência. Faltava-nos aquelas de ouro, simbólicas, trocadas no altar, aquelas que dona Marizete, minha sogra, sempre quis que a filha dela usasse no anelar esquerdo só pra provar pros vizinhos sua bela educação. Eu também queria. Izabel, idem. Mas é caro - disse ela. Eu já sabia.

Ocorreu-me uma vez de roubá-la de mentirinha, levá-la pra uma igreja e lá estaria tudo arrumado. O padre esperando ansioso para dar a bênção, as senhoras cochilando nas primeiras fileiras, dona Marizete não se contendo em lágrimas de orgulho. Tudo parecia perfeito. E nem precisaria de tanto dinheiro assim. Talvez tivesse que tirar um pouco daqui, outro pouco dali e até quem sabe eu ficasse por um tempo longe do boteco do sêo Alaor, sem a cerveja e a sinuquinha com os amigos barrigudos. Mas tudo bem. E assim eu fantasiava Bebel de amor convencionado, véu e grinalda, no seu vestido extrovertido subindo no altar e dizendo sim pra mim. O problema é que é foda. Temos muita coisa pra pagar esse ano.

É caro - disse ela. Eu já sabia, mas dei um jeito. Fiz um empréstimo com o banco, com o agiota e com dona Marizete. Dei à Izabel dinheiro suficiente pra ela comprar toda a Amadelle Noivas, certo de que ela escolheria um vestido mais simplesinho e me devolvesse o troco. E assim ela foi, sorridente ao encontro das letras douradas num fundo preto, como vespas que rodopiam freneticamente ao redor da lâmpada, e levou o que tinha direito. Cortou o cabelo, fez as unhas, foi à um spa e tomou champagne. Eu coloquei aquele terno mesmo que usava pra trabalhar, pedi a um engraxate que lustrasse o já descanhotado mocassim e estava pronto. Pronto pra receber minha mulher vestida na sua convenção cristã tão sonhada.

Casamos e logo após fomos pro motel mesmo tendo nosso próprio apartamento. Ali eu sabia que não ia durar. Parece clichê mas dois meses depois nos separamos. Talvez ainda gostássemos um do outro. Pra ela não sobrou nada. Pra mim, muito menos. É caro - disse ela. Eu já sabia.


sábado, 3 de novembro de 2012

Maneiras eficazes para acordar com ressaca.



Em primeiro lugar se abasteça com vodka. Muita vodka. Após feito esse ritual que, em algumas propagandas pode ser a abertura dos portais do paraíso etílico, onde mulheres balinesas desfilam com seus vestidos Prada olhando diretamente em seus olhos enquanto dançam músicas tão boas que dá até a impressão de que o cara é realmente você e, pra nós mortais, significa terremotos, hematomas e amnésia, siga até o primeiro bar e conheça algumas pessoas que você nunca viu na vida. Converse com elas, ria, conte todos os seus segredos e dance. Afinal de contas, a nossa meta aqui é perder completamente a dignidade.

Se despeça destas pessoas lindas e elegantes e ligue para aquela sua "amiga" que você não vê desde que, com sua finesse, terminou o noivado por sua causa. Converse, converse, não deixe a história terminar antes que ela se sinta tão atormentada a ponto de te dar o endereço da festa. Ingressos? Ingressos não importam quando você é tão gente boa que se tornou amigo de infância de todos os seguranças e hotstess da cidade. Ah, não se esqueça de tomar mais um delicioso shot de Moskovita. Coragem tem que ser nosso sobrenome. O primeiro, por mais que seja óbvio que é Falta De, é irrisório para quem conhece os prazeres de um bom porre.

Estacione, desça e tente não cair. Cair é feio. Cachecóis do Pateta são feios, mas se sua mãe disser que está frio e que se você não usá-lo vai pegar pneumonia, não pense duas vezes e acate. Pense pelo lado positivo: você vai ter um diferencial. Entre na moral, lembre-se que você está em um comercial com as mulheres mais gatas da terra e sorria. Enfim, você é o cara.

Na hora da caçada, não se acanhe. Se não for uma vai ser a outra. Bom, pelo menos alguma moça espiritualizada deve estar ali pra entender o seu sofrimento interior. Puxe papo com o pai da aniversariante e, se ele disser que é pescador, replique que você já pegou carona num navio pirata junto com outros mil caras da Somália, armados até os dentes só pra pescar os temíveis leões marinhos do focinho rosa do ártico. Geografia e biologia aqui não importam, cara, hoje a noite é sua. Aproveite o ensejo pra demonstrar que é um ótimo pé de valsa, puxe a senhora que estará à sua esquerda e dirija-se ao centro das atenções.
Antes que um tio gordo te arraste pra fora não se esqueça de perguntar se ele sabe com quem está mexendo. Argumente usando carros importados e artes marciais.

Por fim, se toda essa técnica ninja de ser O Cara não der certo, ligue pra sua ex. Ela vai adorar. Mesmo. Baldes d'água jogados da janela são artifícios semiológicos típicos de uma mulher que adorou a ligação às três e meia da madrugada de um bêbado. Sério, elas gostam muito disso.
Vá pra casa e antes de dormir acorde o prédio inteiro ligando o rádio no último volume. Descanse. Amanhã o dia vai ser longo.

sábado, 27 de outubro de 2012

Fique, mas com cuidado.



Ei, você que tá chegando agora, vá com calma, não tenha pressa de saber o que se passa por aqui, mas olha só: honre este lugar e comece a ter orgulho de estar aonde você está. Muitos móveis já estiveram mobiliando esta sala, muitos sorrisos já desfilaram neste lençol e eu já perdi a conta de quantos litros de sorvete já mancharam este velho sofá. Ouça bem, não venha querendo mudar a planta, abrir fendas que eu gosto desse jeito assim, estranho. Eu te convidei pra entrar, permanecer é por sua conta.

Nessa prateleira hoje cheia de fotos nossas, muitas outras já estiveram. Outras manias, outras famílias e de vez em quando os discos dos Beatles. Let it be. Let it be. Vai se acostumando com essa presença de tantas ausências que eu, de verdade, espero que você fique. Aquele quadro ali do canto é opcional, pode jogar fora se quiser. Escuta, nesta casa que hoje também é a sua casa já morreu alguém. Pensando bem, muitos alguéns. Mas relaxa, morreram por quê quiseram, morreram fechando a porta sem me dizer tchau. Morreram levando as fotos, as tais fotos das prateleiras, e certa vez morreram quando foram embora com o Sid, meu labrador viciado em calcinhas. Tudo bem, você pode colocar suas coisas no quarto enquanto eu preparo um café pra nós dois.

Aqui, neste lugar frio, que dá para o nascente, muita coisa legal já aconteceu também. Já teve a Carlinha, que era linda, estudada e fazia o melhor macarrão que eu já comi. Teve a Luciana, que era louca, e que provavelmente continua sendo, mas ainda assim encontrava nas horas mais difíceis um jeito carinhoso de me fazer cafuné. Por aqui também já esteve a Mônica, trabalhadora que só ela, morou aqui dois anos e meio e eu só a vi duas ou três vezes. Pois bem, por aqui já passaram muitas, quase tantas como as que passaram pelo Martinho da Vila, e eu amei a todas. Amei do jeito mais puro e sincero que eu poderia amar alguém. E agora cá está você, não menos incrível, não menos querida e não menos intensa, e eu também te amo. EU TE AMO assim, em letras garrafais, só pra você lembrar quando for embora e também morrer pra mim.

Só não vá pensando isso ou aquilo de mim, que eu sou machista, saudosista ou o caralho a quatro. Eu também respeito o seu passado, também quero conhecer devagarzinho seus amores e tenho a impressão que você tem muito mais a me contar do que estes seus olhinhos curiosos. Mas fica pra outro dia, pra outra hora. Por enquanto senta aqui que eu quero te fazer feliz como eu fiz com as outras.

Honre e se orgulhe. De qualquer forma, até desculpa por isso, mas entenda, eu também vou te amar assim quando outras estiverem aqui.

domingo, 21 de outubro de 2012

Again.



Eu sei que isso tudo parece meio coisa de tonto, mas veja bem: eu acho que estou gostando novamente de você. É, já passou, você casou, separou, ficou falada depois de ir naquela festa e dançar loucamente The Killers sobre a mesa, mas ainda assim você me parece uma pessoal legal, daquelas que a gente fica bobo só de olhar. Não, eu não estou bêbado. Uma ou duas, talvez cinco doses daquela bebida verde, amarga, que se bebe em tubos de ensaio e que eu não sei pronunciar o nome. Eu tô bem, relaxa. Só liguei pra dizer que talvez ainda goste de você. Tá, eu sei, são três e pouco da madrugada de quarta feira. Escuta: eu te amo.

Por favor, não desliga. Tem alguém aí? Qual o nome dele? Ah, não tem, né? Jura? Posso acreditar? Lembra de quando você veio aqui em casa e eu estava assistindo pela enésima vez Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e você queria por quê queria me tirar da frente da televisão pra ir no parque de diversões? Lembra? Era domingo, chovia e você parecia uma grávida com desejo de brincar na roda gigante e comer algodão doce. Posso fazer uma metáfora sobre aquele dia, quer ouvir? Tudo bem, eu bebi pra caralho, estou com vontade de te ver e de vomitar, não necessariamente nessa ordem, se é que você me entende.

Mariana, acho que eu estou gostando de você de novo. Acho que eu quero que você volte a me perturbar nos domingos a tarde, que você me tire do sério novamente como você fazia ao mudar freneticamente as música no rádio do carro e, se for do seu interesse, coloco pra tocar Mr. Brightside só pra ver ver você soltar a franga na fila do banco. Não precisa ser agora, mas volte. Volte que eu acho que estou gostando de você outra vez.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Piscicultura, amor e outras coisinhas.



Não sei por onde andava essa felicidade de criança fazendo bolha de sabão, não sei mesmo. Como é que eu pude fazer desfeita de tantos sonhos bons, de tanta correria, de tanto fica-aqui-que-eu-quero-tirar-uma-foto-sua. É que às vezes a gente se perde por querer, por covardia, por tanta filha da putice, por tantos tantos. Engraçado é saber que você sempre esteve aí e eu nunca vi. Engraçado é pensar que hoje um sorriso   
seu muda tudo. 

Domingo passado eu sonhei com você e fiquei com vergonha de lhe contar. A gente estava numa chácara, conversando abraçados, seus olhos caramelos refletindo tudo o que o sol pode brilhar. Depois um peixe de dois metros mordia meu braço. Coisa de sonho. Atenha-se no que há de bom: acordei com o braço dormente e a sensação de que nós dois, um dia qualquer, podia dar certo. Sem chácara, sem peixe, aqui no meu apartamento mesmo. 

Você sabe que eu sou bobo. Você só precisava saber que é por você.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O amor segundo Aristótoles.



Preciso descobrir seu conflito - eu diria se tivesse um pouquinho mais de intimidade com você e estivessemos conversando deitados na cama, olhando pro teto, depois de um sexo ácido. Entender a sua linha dramática, fazer uma decupagem semiológica das suas circunstâncias pra lhe dizer aonde é que que quero chegar com esse enredo. Mas não, apenas continuo em silêncio à observar o desenrolar de um filme que eu já vi.

Eu posso começar assim; você me pede pra buscar gelo sem se preocupar se eu estou com a mão suja, me escuta atenta e com os olhinhos mais mágicos que já vi, se perde quando lhe peço pra vir comigo - eu, você tá me chamando pra ir com você?, e deixa transparecer que está orgulhosa e aflita ao mesmo tempo como se estivesse pronta pra ingressar em um avião e conhecer um país novo. Ah, e o velho truque de me dar atenção... esse você usou bem! Pra terminar você bota uma vírgula e me chama de Chicão. Porra, Chicão é foda. Chicão é muita intimidade pr'uma garota que eu acabei de conhecer e quero amar pro resto da vida.

Desenrola-se que isso me deu tanto tesão que, aproveitando que o aniversário dela seria semana que vem, eu comprei um presentinho e marquei um vinho lá no meu apartamento pra entregar. Daí eu não posso ir e também não ligo desmarcando. O clima fica tenso. Rufus Wainwright começa tocar ao fundo e eu quase posso me ver passeando cabisbaixo no Central Park, sobre as folhas amarelas do outono.

Eu a procuro, peço pra ela vir buscar o presente aqui no meu trabalho mesmo, digo que a gente pode sair depois, tomar um café e conversar. Ela disse que vem. Eu aqui espero pra ver como essa história vai terminar.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A lua amarela dos intelectuais e loucos.


Ninguém quer escrever sobre o amor. Ninguém quer falar de amor. Você disse que queria ficar um pouco mais. Pronto, se esta sociedade de merda fosse minimamente mais sensível, isso seria manchete do New York Times por uma semana. Você nunca quis permancer nem um segundo além do estipulado, sempre tinha uma ligação pra atender, uma mensagem pra enviar e uma hora pra chegar. Mas na sexta, ah, na sexta você disse que queria ficar.

Lá fora o mundo pulsava e parecia que ia explodir a qualquer momento, as luzes piscavam, os carros rodavam, mulheres davam, filhos nasciam, mas a gente estava ali, doidos pra que aquela noite fosse tão somente a alegoria do pra sempre.

Alguém disse alguma sobre intelectuais e loucos, sei lá, não lembro bem. O fato é que nada pra mim será tão inesquecível como teus olhos nos meus olhos e a sensação de que juntos somos imbatíveis. Tudo bem, foi só uma ou duas partidas de truco pra mediocridade do mundo mas, pra mim, pra mim que gosto tanto de você, bastou como bastam três mordidas num McLanche Feliz pras crianças ocidentais cagarem pro resto do universo.

Eu gosto de você, é fato e é prolixo. Eu gosto de você independente de quem você gosta, independente das garotas que eu transo, independente de tudo. E eu gosto de você em silêncio, pra não perturbar seu sono, pra você não se assustar.  A lua amarela que brotou no céu na hora em que você foi pra casa foi só um exemplo.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Isso não é um texto de Auto Ajuda.



Voltar. Ir de encontro ao que passou. Lembrar. Materializar o imaterial. Querer e não poder. Sentir o cheiro de bosques de maçã em meio à fumaça triste de Brasília. Bater a cabeça na parede só pra ver se sangra e dói em outro lugar. Retroceder. Fazer as mesmas velhas coisas. Não existir mais as velhas coisas. Escutar Boys Don't Cry e fechar os olhos. Fazer o mundo girar ao contrário. Correr. Correr. Correr. Parar. Olhar a foto do que passou enquanto o ônibus não para.

Sábado eu tive uma vontade imensa de ir nas barraquinhas que a Igreja Matriz faz todo ano em comemoração ao Divino Espírito Santo, tomar quentão, mostrar que eu cresci, rever os amigos e quem sabe até encontrar a Val no beco, mexendo no meu brinco e dizendo que isso não é coisa de homem. E fui. O padre ordenou o banimento absoluto de tudo que envolva bebidas alcólicas por quê, segundo uma moça gorda que me atendeu, no ano passado um dos coroinhas, após ter bebido na surdina todo o vinho da eucaristia, montou no bezerro que era prenda da quermesse e saiu galopando pelo salão paroquial. Trágico. Tive que ficar na Coca-Cola mesmo.

Lá, esperando a missa acabar pra ver se alguém aparecia, me acometeu a lembrança de um senhor já meio calvo, a voz rouca a me dizer algumas frases de efeito sobre o tempo e espaço. Uma hora pra me explicar o que se resumiria em um verbo. Agir. Me lembro como hoje que enquanto ele falava, eu ficava imaginando quantos anos ele perdeu pra chegar a essa conclusão. Bobagem. Descobri depois que ele tinha ouvido isso na televisão. De qualquer forma, é até bonito.

Cansado, já meio puto, voltei pra casa. Sem quentão, sem os velhos amigos, sem a Val me enxendo o saco. Apenas voltei. De encontro ao que está. Estar. Falar. Verbear. Ver beleza na W3. Parar. Parar. Parar. Corrrer. Entrar na foto enquanto a vida não para.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ó lá.



Até aqui tudo bem - dizia ela em seu momento mais íntimo. Até aqui dá pra aguentar você vir com esse sorriso bobo de quem acha que tá tudo bem. Mas não está. Deitada na rede da varanda ela conversava sózinha. O lábio superior engolindo o inferior. Balança pra cá, balança pra lá. Eu só queria estar ali, de vez em quando, sendo tudo o que ela precisasse. Kiko, vem aqui, vem ver como aquele passarinho insiste em pousar na caixa d'água.

Eu só queria aprender como são belas as pequenas coisas. Amor, o que que tem atrás daquele muro? Ela confiava tanto em si mesma que as vezes se confessava os segredos mais absurdos. Não sei, ela dizia. Não sei.

Não sei até quando - ela pensava e ria em silêncio. O passarinho caiu e se molhou. Kiko, busca a escada no corredor, rápido! Toda tarde de sábado a gente sentava pra coversar. Nada de política, nada de agora, nada pra sempre. Depois sexo, religiosamente, antes de nos deitar. Acho que ele vai sobreviver, bota ele no sol que as penas vão secar. Alguém te ligava, você ria. Amor, vamos pra Planaltina.

Acho que acabou. Me chuta pra fora como um cachorro indolente. Esquece do eterno. Esquece. Tudo permanecerá numa canção de amor. Ainda não posso dizer que te esqueci. Até qualquer dia. 

terça-feira, 1 de maio de 2012

Na fila do analista.



 - Tenho me ocupado com a sensação de que sou um gênio. Com a certeza, na verdade. Sou desses caras que saem andando por aí cultivando pequenezas interessantes tipo como fazer um outdoor com tábuas de construção e musgo, escutando sempre uma banda finlandesa de tecnofunkcelta que só eu conheço, sempre com uma camiseta sem estampa pelas entrequadras até chegar na faculdade e vomitar toda a minha pesquisa sobre Guerra e Paz na carinha rosada da minha orientadora substituta de semiótica. Eu sou o cara, devo admitir. E eu sou bonito também. Bonito como um ator de características intimistas atravessando a ponte do Brooklyn dentro de um táxi. Bonito como Verlaine. Bonito como Troffaut ainda jovem. Fanfarrão como Tolstói, sedutor como Maiakovsk. Minha simpatia não é lá essas coisas, devo confessar, mas sou sorriso na medida certa e sei fazer cara de agradecido quando é necessário. Eu sou demais. E você, o que faz aqui?

- Nesse feriado, de barriga pro ar e olhando o pôster da Sheila Carvalho pelada de quinze anos atrás que o antigo dono da minha kit colou no teto, eu sorria gostoso cada vez que eu me lembrava de quando a gente era só a gente. Duas crianças passeando pela 508 sul, brincando de acreditar que o mundo ficava melhor depois de ouvir o último disco da Legião, ou conversando ao som de Clash que vinha do Café das Moscas. Ele ficava tão engraçado quando fazia careta pr'os ônibus que passavam pela W3, lindo. E tudo que eu queria era um amor assim, pra sempre. Amor de Eduardo e Mônica. Amor que a gente parecia ter. Nada de mais.

- Tô com sede, vamos tomar uma Coca-Cola?

- Vamos, tô precisando mesmo fumar um cigarro. Tem fogo? Quente aqui, né?

- Toma aqui. Pois é, acho que o ar condicionado deve estar com defeito. Você vem sempre aqui?

- Que pergunta mais doida pra uma moça na fila do analista! Não, não venho não, mas vou passar a vir mais. E você?

- Eu tô aqui sempre. Me arruma um cigarro. Ah, filtro vermelho, quero não. Tô parando, tentando diminuir. Minha irmã fala que é viagem, que eu tô mentindo pra mim mesmo quando digo que vou parar e peço um cigarro de filtro normal. Deve ser mesmo.

- Você é tão gente fina, não sei nem por quê tá aqui.

- Poxa, obrigado. Mas é isso mesmo que eu venho tratando. Sou gente fina demais, inteligente demais, bonito demais. De gente assim ninguém gosta.

- Pois é. Vai fazer alguma coisa na sexta às oito?

- Sei não. Tava pensando em terminar minha dissertação tomando vinho. Por quê?

- Posso ir?

- Ir onde? Comigo?

- Sim. Sua dissertação é sobre o quê?

- Literatura tcheca.

- Ah, você gosta do Kundera?

- Pô, o cara é foda.

- Acho que a gente vai se dar bem.

- Eu também.


terça-feira, 24 de abril de 2012

Pra frente. Ouviu? Pra frente.



Tudo bem, estou errado, estive errado, fiz todas as cagadas do universo, vacilei, perdi. Pra mim tanto faz, aliás, nem acho que fui assim tão mau, mas de boa, o tempo passou. Te vejo agora revirando os mesmos escombros, o mesmo desastre, as mesmas fotos e isso, de certa forma, também me dói. Dói por que eu acho que não tem sentido. Dói por que eu queria te ver melhor. Dói por que é extemporal.

Não vou voltar atrás pra pra te pedir perdão ou te perdoar. Esquece. Só queria te deixar claro que tudo isso não doeu só em você, que eu também sofri, que eu quis cuspir na sua cara e te xingar de puta, deixar claro que ficou, que não volta, não sustenta. Não te amo mais, você não me comove mais, mas dói.

Preciso confessar que por algum tempo eu tive medo de você aparecer no mesmo bar que eu frequentava, linda, diferente, bem resolvida e com um cara de um metro e oitenta. Medo de você passar por mim, sobre mim e nem sequer me reparar. Hoje eu vejo que isso seria muito melhor do que te ver assim, rancorosa, de guarda fechada e saudosista. Passou. Não volta. Dá um sorriso e finge que pra você tudo mudou. Por que do jeito que está, dói.

Sobre mim, eu vou bem. Talvez eu não tenha me recuperado tão rápido assim deste terremoto, mas no mais, eu tô ótimo. Tô feliz, tô amando e o mais importante: tô acreditando. Acreditar recicla e renovar faz parte. Pensa nisso. Se quer saber, eu torço muito por você.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Maybe midnight in Paris.



Faz um texto pra mim? disse ela com aquela identidade proibida de um filme francês. Não dá, querida - eu revelo com uma razão quase torta. Você escreve tão bem... e a certeza vai se tornando nula enquanto ela vai aparecendo lentamente entre os vagões do metrô de Paris. Então, não dá, eu mal te conheço, como eu vou fazer? num instante ela se deixa ver completamente do outro lado da linha, ascena e desaba: eu quero.

Pois bem, quando te vi pela última vez, passeando sua insegurança justificável, eu parei. Champs Elisée às três de uma tarde outonal. Linda. Mini saia e sorrisos bem alinhados. Não há outra maneira senão num texto, num mesmo texto que tanto neguei na estação Blanche, pra dizer num gesto simples, a complexidade do seu olhar.

Não preciso escrever demais, me alongar demais. Só me cabe aqui te pedir: atravessa esses trilhos e vem.

domingo, 15 de abril de 2012

Inanimado.



- Me passa o sorriso.

- Quê?

- O sorriso. Tá nessa chícara aí do lado.

- Onde?

- Aí, perto da sua insegurança.

- Ah, sim. Toma aqui.

- E aí, como vão seus dedos?

- Na mesma. Passeando pelos meus cabelos esperando você me ligar.

- Jura que aquela tremedeira passou?

- Olha, parar, parar, não parou não. Mas tá bem mais tranquilo. Já a minha rua chora todo dia por não te ver passar.

- Deixa de bobagem. Eu fui tanto aí e ela nem deu a mínima!

- Mas é claro, Kiko. Garotas são assim. Não deixam transparecer nada que realmente as façam felizes.

- Beleza. Qualquer dia eu apareço.

- E suas certezas, como vão?

- Você sabe, certezas são certezas, sempre vacilantes. Esses dias uma delas até pensou em te procurar mas o orgulho, bobo como sempre, chegou pra lá de Bagdá em casa e quebrou o pau com ela.

- Você, Kiko, não tem jeito mesmo.

- Pois, é. Eu amo você.

- Tudo bem.

domingo, 25 de março de 2012

Explicação.



Não, meu brother, ela não é minha namorada. Ela é minha amiga, minha melhor amiga por sinal. E sobre o fato de só sairmos juntos, eu não sei muito bem explicar mas, é mais ou menos assim: a gente se completa. Gostamos dos mesmos livros, temos os mesmos planos, compramos sem querer Whatever People Say I Am, That's What I'm Not, do Arctic Monkeys, e demos um para o outro de Natal. E quer mais? Quando nos vimos a primeira vez, eu tive a sensação de ter encontrado a mulher mais perfeita pra mim. Fantasiei verões em Floripa e outonos em Nova Iorque, filhos que nasceriam em Brasília em um apê na Finotti, em Uberlândia. Hoje minhas pretenções com ela são menores, mas não menos louváveis e intensas. Desisti dos pimpolhos brasilienses, dos ares do triangulo mineiro e das margaridas na janela, já o amor cosmopolita ainda vive aqui, dentro de mim,dentro dela, dentro de nós.

E se você está jogando um verde só pra saber se o caminho está livre pra você, esqueça. Meu amor por ela não permite que eu abra espaços para babacas que acham que jogar indiretas é a opção mais sincera de se chegar em alguém. Desista. Além do mais, ela é demais pra você. Como ela é demais pra mim. De verdade, a menina daquela mesa à sua esquerda tem muito mais a ver com seu comportamento infantil. Ela tá olhando pra você, não perca tempo.

Não, a gente não namora. Mas se ama, se você quer mesmo saber.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Leões, corações e você diz que quer ficar.



Olha aqui, diz a verdade. Qual é a sua? Que mania feia essa sua de apaixonar e desapaixonar quando lhe é conveniente. Sabe, eu também sou assim as vezes. Quase sempre. Mas, menina, com você eu achei que seria diferente, que sempre haveriam duas taças de Cabernet Sauvignon pra eu despejar na pia quando você fosse embora. Não me diga que é sério, você sabe que não é. Amanhã você confunde o caminho e segue pra outro rumo. Eu conheço sua contra mão. Sei que você é linda demais pra estar sendo sincera. Você não me ama. Ou me ama. Mas é só por agora, por essa noite, por essas três garrafas de vinho e só.

Vem, senta aqui do meu lado. Deixa eu te explicar o que eu aprendi sendo bestialmente sacaneado nessas histórinhas de amor. Todos nós, ao meu ver, temos dois leões dentro da gente. Um leão representa a nossa fome pela ignorância, a nossa escuridão e a nossa loucura. O outro leão é centrado, responsável e só come outras leoas quando nínguem está olhando. Então, veja bem, eu gosto de você pra caralho, do seu cheiro de vou embora agora que já tá tarde, mas entenda, eu só sinto isso por que estou tratando os dois bichanos de forma equivalente, um pernil de guinú ao molho madeira pra cada um. A questão é que eu não sei até quando. Não sei se vou conseguir equilibrar meus leões na corda sobre o picadeiro. E é aí que você entra, ou melhor, é aí que você sai. Portanto, pra ninguém sofrer, é melhor não deixar a sua flora perto da minha fauna.

É claro que a gente pode transar as vezes. É só você me ligar. Mas por enquanto eu te aconselho a ficar por aí mesmo. A segurar a mão dessa pessoa que tanto te quer bem forte pra não dar espaço pra que outras pessoas como nós passem a ocupar o assento que é nosso. Enfim, eu te amo e se você quiser realmente fuder com a sua vida, eu tô aqui. Aconselho você a não seguir meus conselhos. Também percebi que você está querendo ficar. Isso não é necessariamente uma boa ideia mas, se for pra ser de verdade, tranque a porta e passe a chave duas vezes.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Sofisticação Hard Core



Boa noite. Fica com Deus. Dá um abraço no Henrique por mim. Tudo bem se eu te ligar amanhã? E ela saiu do carro o mais lentamente que pôde, fechando a porta bem devagar e me olhando pelo vidro escuro. Eu nunca tinha percebido o tanto que ela ficava gostosinha de vestido rodado e jaqueta jeans. Já a tinha visto por outros ângulos, mas daquele, sorrindo um tchau constipado de namoradinha e exalando tesão por debaixo daqueles tecidos florais, era como se fosse um vem aqui, eu tenho aquele disco da Billy Holliday que você se amarra, quer subir pra tomar café? e isso não era tão normal pra ela que tinha acabado de sair da casa dos pais em Goianésia para vir morar em Brasília, pra ela que ia à igreja todos os domingos para disfarçar o fogo de menina do interior e expulsar os fantasmas de sua semântica torta. Que vontade de ir, de complementar essa chama com o meu isqueiro Bic e incendiar toda a W3, mas não. Tá tarde e depois fica difícil de achar um motorista de táxi corajoso pra me levar pra setenta quilômetros longe daqui. Fica um beijo de longe. Uma piscada e é claro que sim, pode me ligar, mas desta vez você é que vai pra Planaltina.
A noite foi linda, a gente combinou com antecedencia para dar tempo de reservar uma mesa naquele restaurante legal que só vai quem está verdadeiramente afim de olhar nos olhos de alguém. Tempo de juntar a grana pra pagar aquele absurdo de conta. De ir no cinema, de rir do filme, de andar sob a luz dos postes da 308 sul, tempo de parafrasear Nando Reis e dizer que você é mesmo tudo aquilo que me faltava. Teve vinho, teve risada, teve soco na cara daquele idiota que insistia em olhar pros pelos loirinhos da sua coxa ( Tudo bem, quem levou fui eu que insisti em peitar aquele troglodita de filme na Rota 66 ), teve beijo ao som de Let it Be, teve nós e nós estivemos ali, com vontade de quero mais. Me liga mesmo. Amanhã eu quero te ver. Pode deixar que eu mando o abraço.

domingo, 11 de março de 2012

Lá, lá, láia, láia.



Todo amor começa numa canção. De leve, tocando naquele bar da esquina. Todo amor é uma música que embala o silêncio longe de você. E Chico Buarque sabendo disso, compôs várias modinhas pra gente. Basta olhar dentro desses seus contadores de histórias olhos verdes que ao fundo trocando em miúdos começa a bailar entre o meu e o seu nariz. Não sei por quê. Acho até que a música não tem nada a ver. Digo, nada a ver com essa nossa mania boba de encostar um coração no outro enquanto a noite nos deixa levar.

Todo amor, por mais mentiroso que seja, insiste em escutar o Chico. Eu sei disso por que conheço o seu ritmo como ninguém e não acredito em você. Não acredito que a minha cama será pra sempre a mina dos seus cabelos de ouro. Veja bem, eu entendo a sua ânsia em me ter por perto. Faz parte da linha dramática dessa melodia. Eu e você. Dois corpos perdidos dançando no escuro no primeiro ato. Um outro cara anunciando o clímax. A epifania seria nós dois, abraçados, nos despedindo enquanto o samba dá o tom. Mas deixa isso pra depois. Ainda estamos na parte em que o mocinho conhece a mocinha.

Ontem, quando nos vimos, você de rock ingês e eu de partido alto, eu percebi que entre nós há muito mais que uma caixa de fósforo e um violão. A gente tem ginga, compasso. Falta de sensatez também. Mistura boa. Elza Soares e Ella Fitzgerald. Toquinho e Vinícius. Caipirinha de saquê com bolinhos de aipim. E o samba continua. Verde e amarelo. Eu e você ao som de Chico.

sábado, 3 de março de 2012

Pés no chão.



Eu vou levando do jeito que der, pode ficar tranquila. Do meu jeito meio torto eu vou ajeitando tudo. Pouco a pouco. Se Deus quiser. Acontece que não tem sido fácil me acostumar com essa vontade de te ter aqui por perto. Você sabe, esse lance de amor dói pra caramba, dói ficar olhando por horas e horas, em silêncio, suas fotos na internet e saber que você provavelmente nunca será minha. Mas chega. Tem uma hora que a gente precisa pisar no freio, respirar bem fundo e desapegar.
Sabe, eu conheci uma garota, por favor me deseje sorte. Meus amigos dizem que ela é linda, que tem um sorriso incrível e que ela segura minha mão com um jeitinho de quem não quer soltar. Meu coração diz outra coisa, é fato. Pra ele essa ideia não cola. Diz que você é infinitamente mais interessante do que ela e talz. Mas eu vou tentar. Tô pensando até em alugar um apê maior e levá-la pra ir morar comigo. Ela não vai ter o seu bom gosto, não vai decorar a estante com os livros fodas que você tem, com aquele disco bacana que eu te dei e vai tentar preencher essa lacuna com sexo no tapete enquanto róla um filme água com açúcar de circuito. Tudo bem, eu relevo.
Semana que vem o barzinho e a sinuca ainda está combinado, não quero parar de te ver. Só quero te ver de um jeito diferente. Quero policiar meu olhar até chegar ao ponto de não te enxergar mais por dentro e só assistir uma gata como qualquer outra passando por mim, com seus perfumes e encantos. Te olhar e ver só uma noite. Apagar a eternidade da minha visão.
Ah, antes que eu me esqueça, acho que eu descobri o seu segredo. E se quer saber, acho que você tá viajando, dá pra ver na sua cara que esse caminho não faz o seu tipo. Mas, porém, entretanto e todavia, se você quiser assim, como eu sempre fiz, lhe prometo confidência e apoio incondicional. Afinal de contas, não quero parar de te oferecer um cigarro, de te chamar pra tomar vinho e sempre iniciar uma conversa falando sobre o Romero Britto. Foi por isso que a escolhi. Foi por isso que eu te quero aqui. Não mais do jeito que eu pensava. Mas do jeito que ainda dá pra ser.
Olha, felicidade, sorte e amor procê! Pra mim também. A gente merece. A gente se vê.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Acontece.

De que é feito o amor? - Pensou ele. Gestos, fotos, viagens? Limpar molho de tomate no canto da boca das pessoas também pode entrar no ról desse sentimento astuto e covarde? Não sei - continuou em seus pensamentos. Afinal de contas, tudo isso deveria fazer sentido. Por mais idiota que seja, deve ter uma explicação. Ninguém entra na vida de alguém por acaso. Batido isso, né? Mas é fato. O sofá manchado de vinho tá de prova.

Era seis horas da tarde de um sábado comum, desses que a gente encontra todo final de semana e nada demais acontece, tinha passado o dia no sítio de um amigo bebendo, reclamando e falando sobre mulheres, portanto, quando voltou, a intenção era nada mais, nada menos, que terminar a noite tomando cerveja e jogando Deus da Guerra. Sem grandes planos. Ele, uma caixinha de Artáctica, o vídeo game e um amigo. Mas como? Como acreditar na paz, na elevação do espírito, na passagem de fase sem fatores externos sem entrar na guerra, na perturbação da alma e no memory card quebrado?

O telefone toca. Insiste. Não quer atender. Ela não, ela não, ela não.

- Alô.
-E aí, Kiko, beleza?
-Tranquilo. E com você.
-Ah, bem também. Vamos tomar umas hoje?

( Hesitação comedida )

-Uai, bora. Pode ser aqui no meu apartamento?
-Beleza. Posso levar umas amigas?
-Não sendo muitas, tudo bem.
-E que horas você vem nos buscar?
-Ah, sei lá. Vou tomar banho e te ligo.

Finais de semana conspiram contra a moral e os bons costumes, tenho certeza disso. O telefone toca novamente. Ele está no chuveiro. A música irritante do celular continua. Outra não, outra não, outra não.

-Alô.
-Oi, Kiko. Como é que cê tá?
-Ah, eu tô levando. O que você manda?
-Kiko, tô com umas amigas aqui em casa e todas nós queremos sair. A gente pode ir aí pro seu apê tomar um vinho?

( Fudeu. Fudeu. Fudeu. O que era só uma noite de sábado, virou um conflito de interesses. )

-Tranquilo. Pode vir.
-Não. Vem buscar a gente aqui.
-Tá. Que horas?
-Pode vir.
-Beleza. Daqui dez minutos eu tô aí.

Puta merda. Duas. Várias amigas. Não vai caber todo mundo. Meu coração é pequeno. Deixa fluir. O vinho tá gelando. Duas viagens. Um grupo, depois o outro. O primeiro já foi. Todas acomodadas. O DVD do Capital Inicial toca primeiros erros. Eu já perdi a conta dos meus. Vou buscar as outras.

O portão se abre. Sorrisos lindos. Todas arrumadas pra matar. Aparece você. Ofusca. Vem ao encontro, diz muito prazer, procura um lugar no carro. A voz some. Não há mais palavras. Tudo bem. O vinho disfarça.

No apartamento tudo corre bem, todas conversam, todas se divertem. Eu na sacada fumo desenfreadamente. Alguém quer mais vinho? Ela senta ao meu lado. Pede um trago. Puxa assunto. Ideias, cadê vocês? A conversa se estende. O vinho acaba. Vou buscar mais. Você vem comigo?

A noite acaba. Os dias passam. Ela não sai da cabeça. Outros encontros. O amor próprio se esvai. Ela conhece a família dele. Tudo estremece. Ele anda a esmo pensando de que é feito o amor.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Uma noite no fim de fevereiro.



Olhei pela janela mais uma vez. Lá fora a noite escura anuncia qualquer indecência pelos becos vazios e um vento macio volta a te trazer aqui. Não sei, já faz algum tempo que não te vejo, talvez uma semana ou mais, acendo um cigarro. As estrelas cadentes iluminam ao longe a estrada que leva a Brasília. A fumaça vai se perdendo.

Não sei se a perdi, não sei. Estive esperando o momento certo, estive perto até. Ela e os segredos dela. Quanto amor, menina, eu sinto por você. Amor pra dentro, é fato. Amor que nasceu pra dentro, que ali ficou. Chico toca ao fundo. Parece que vai ficar mesmo assim. Não interessa. Cadê você? O cinzeiro ta cheio.

A rua convida. Encontro os amigos. Garçom, uma Antarctica, por favor. De repente a conversa cai em você. Não sei responder. Não sei nem mesmo se quero falar sobre isso. Silêncio. Me diz que isso passa, que passaram as outras, que eu vou ficar bem. A cerveja chegou, a palavra se afoga. Outro cigarro. Aqui não me cai bem. Aqui tem sorrisos demais. Fecha a conta que eu vou nessa.

O carro é mais rápido que os meus pensamentos que agora viajam pela estreita passarela que dá pra sua casa. Me nego. Não quero ir te perturbar as duas da manhã. Que se foda. Atirei a primeira que vi na sua janela. Você não saiu. Você nem sentiu. Aperto a campainha. Ninguém aparece. Te ligo, grito, xingo, chuto o portão. Nada. Você precisa saber que não dá mais pra ficar por aí, zanzando sem te ter por perto. Você precisa saber que eu já descobri seus segredos e, de boa, não interessa, eu não ligo. Você precisa saber que não tem nada de complicado em gostar de alguém. Você sai na sacada. Eu espero com um sorriso meio bêbado no canto da boca. Lá vem ela.

Olha, fica comigo. Vamos lá pra casa. Eu amo você. A gente abre aquele chileno que você gosta. Mas não saia de mim. Não vá desaparecer dos meus desejos logo agora que eu decidi que é com você que eu quero casar, ter filhos e um cachorrinho chamado Bob. Fica e me abraça e deixa ser eterno que o só por hoje não me atrai. Meu tesão é pelo pra sempre.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A folia do amor pra sempre.



Ora, é carnaval, vista sua máscara, vem cair na folia, vem disfarçar sua tristeza, seu desemprego e as contas pra pagar. Ora, que melhor hora a não ser agora pra brincar de ser feliz? Põe de molho essa saudade, vem pro baile que o pessoal já se pôs a dançar. A marchinha é meio demodê mas é o que temos pra hoje. Vem, se solta, dê, pelo menos dessa vez, o braço a torcer.
E lá se foi a Columbina, cheia de lantejoulas, a passear pelo salão. Encontrou afeto, atenção e um beijo no rosto. Se sentiu brasileira, mulher de corpo inteiro, pronta pra se doar. Santa, puta, menina e mulher. Toda-toda, de pés descalços, ela encontrou naquele tumulto a paz que tanto precisava. Dedicou-se aos abraços demorados, aos pulinhos frenéticos e aos olê,olê, olás.
No outro canto da festa, no outro canto da história, Pierrot se divertia com seus copos longos, suas cuba-libres, seus encantos. Tudo era fantasia, insanidade e, talvez, solidão. De beijos em beijos ele chegava no bar e pedia outra dose de inquietude, das havaianas às vampiras ele engolia na saliva a quantidade certa de incerteza que ele precisava pra uma noite de terça feira.
Mas, como sabe todo bom folião, o carnaval tem seu fim e a quarta de cinzas é foda. De um lado só as garrafas vazias, do outro, um travesseiro sobrando, dentro, a falta, fora, a maquiagem escorrendo. Ela sentiu saudade dele. Ele sentiu saudade dela.
Eram como se fossem irmãos. Eram como se não fossem nada. Eram, no mínimo, tudo. Eram só ele e ela, de ressaca, bebendo água e com vergonha de ligar. Eram só dois palhaços, dois piratas, dois marinheiros, dois sei lá o quê. Eram o amor que se escondia por debaixo da máscara veneziana. Eram dois idiotas. Eram duas pessoas que se permitiam pular o carnaval sem grandes arrependimentos ou afetações.
Ora, se tem hora pra ser feliz é agora. Vem, pega o carro e vem bater aqui na minha porta. Tira essa fantasia de quatro dias e vem ser feliz o ano inteiro. Se joga, deixe o enredo do eterno tocar a sua escola. Vem que esse sentimento não tem recuo.
Lá fora o porta bandeira carrega uma garrafa na mão e canta: eu tenho tanta alegria adiada, abafada, quem dera gritar... Tô me guardando pra quando o carnaval chegar.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Arte da conquista.



Eu sou um cara comum, disse ele. Um cara que faz tudo o que as pessoas normais fazem. Ou não. Acordo pela manhã ainda cansado e vou trabalhar. Volto pra almoçar correndo e novamente saio. Sou um cara que é fã da noite, que bebe, que sonha. Um cara que quando dá, lê Veríssimo, Caio Fernando Abreu, Martha Medeiros, Gabito Nunes e todo esse pessoal que ficou famoso com o Facebook. Ah, não posso esquecer - continuou com cara de apressado - amo e de vez em quando sou amado. Já vi meu nome várias vezes rabiscado em diários e rabisquei tantos outros no meu. Enfim, torço pro Botafogo, sou de Touro e escrevo poesia. Nada mais comum pr'um cara de vinte poucos anos.
Escora o corpo na parede, vira o rosto pro lado e adianta: disseram por aí, eu também, confesso, que na maioria das vezes em que me perdi, que me lancei ao nada do amor, eu sempre procurei me segurar em algum galho que me mantivesse à margem, pronto pra sair a qualquer momento que quisesse. E assim eu fui, e assim tentei ser com você que não me deixou saída, que me fez pular de cabeça nesse rio torto. Chega mais perto, passa as mãos no cabelo dela, respira fundo e se deixa levar. Olha, na vida, desde criança eu fui atrás das coisas que eu queria, do meu dinheiro pra fazer minhas loucuras, das festas mais interessantes, das garotas mais bonitas e, engraçado, deu tudo certo. Foi divertido. Mas passou.
Hoje - emenda - eu queria ir pra margem, parar de nadar contra a corrente, te esquecer. Fazer como sempre fiz: tentar - conseguir - perder a graça. Não dá. Eu olho pra você e dá vontade de gritar pro mundo inteiro ouvir que eu te quero, que eu te amo, que a gente foi feito um pro outro e não adianta alguém vir e dizer que eu vou te deixar de lado algum dia, que uma hora isso passa. Não dá. Tá claro. Eu te amo demais.
Então ele abaixou a cabeça, ela não. E enquanto ele olhava profundamente o chão ela passou os dedos pelo seu rosto, puxou sua face de encontro a dela e o beijou. Ali eles foram pra sempre.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A gente se vê.



Aproveita e leva embora suas roupas, seus discos e seus livros, mas vá logo. Pegue tudo o que ainda for seu e saia. Não quero nada, pra mim a solidão me basta e essa garrafa de vinho está de bom tamanho. Hoje o dia nasceu quadrado e muito me faz bem olhar esse horizonte torto. Portanto, me deixa aqui quieto. Só não esqueça de deixar as chaves na samambaia se a sua intenção for não voltar nunca mais.
O liquidificador fica. A estante fica. As histórias também. Não quero continuar aqui e ter a impressão de que mudei pra um lugar maior. Ou leva. De boa. Não quero discutir esse tipo de coisa logo agora, pode ser? Apenas saia, com suas caixas de momentos inesquecíveis, com as suas lágrimas que secarão e seu coração de ouro. Vale muito mas é duro. É pedra.
Qualquer dia a gente se vê, de repente até se pega e vai dormir em algum motel de beira de estrada. Mas agora saia, tem um táxi te esperando lá embaixo.
Se isso tudo fosse antes eu te pediria incondicionalmente pra ficar, pra esquecer essa bobagem e te diria que é uma fase, que passará. Mas como? Como se a vida me ensinou nesses anos de constantes batalhas com as coisas mais banais que nada fica, nada permanece, nada se sustenta? Como se eu não soubesse, como se eu não visse que amanhã ou depois a gente se machucaria de novo brigando por pasta de dente. Vai. Me deixa aqui.
Vai, mas vai sabendo que aqui as coisas ainda ficarão muito tempo fora do lugar. Vai sabendo que eu vou morrer de saudade, que eu vou sofrer pra caralho. Vai sabendo que eu te amo. Vai sabendo que a coisa que eu mais queria é que você continuasse aqui tomando sorvete no sofá enquanto assiste televisão. Vai e não volta. Por favor. Que amor assim eu não quero.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Tão simples.



Respirar bem fundo, beijar a testa, abraçar sem medo e sumir. Gritar pra dentro, acelerar o que der e nunca mais olhar pra trás. Eu só penso nisso, pode acreditar. E eu posso fazer, sordidamente e sem pestanejar.
Não queria te dizer isso, não me cai bem, mas você pediu. Dane-se, tenho muito pra falar e se essa história me fizer mal, depois eu tomo um Engov.
Eu gosto de você pra caralho, da sua cara de sono, do seu jeito de rir das coisas mais sem graça do mundo, da sua altura, do seu signo e seu significado. Se pra você isso tem cheiro de alguma coisa qualquer, não me interessa. O fato é que te quis desde o primeiro momento que te vi, de vestido branco e sorriso trépido.
Só que agora, caríssima amiga, depois de você ter escrito em letras garrafais nas entrelinhas do seu diário que não há nada que eu possa fazer, que pra você é tudo muito óbvio, objetivo e claro, por aqui eu fico. Sem mais, sem duvidar.
Na vida, eu sempre consegui o que quis e não seria diferente agora. O lance é que eu não quero mais.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A lógica de tudo.



É o devir, o vir a ser, o ímpeto, o impulso, o motor primeiro, faísca que acende o sol e move o mundo. É logus, é aletheia, são dias de Aleximandro ao virar a esquina. É você, signo e significante, lingüística barata, semiótica do olhar. É amor aqui, em Trinidad e Tobago e no Japão. Somos nós. Somos nós e está tudo perdido.
Quando te vi pela primeira vez, você ainda menina, desfilando sua idiossincrasia e seus cabelos castanhos, eu disse – é mais uma. Você sorriu um sorriso de criança envergonhada e desapareceu. Eros age. O infinito conspira e bam! Lá se passaram não sei quantos anos. Você na sua. Eu na minha. Dialética dos corpos. O frio na barriga que nem Aristótoles conseguiu definir em sua poética. Mas se perdeu.
Semana passada eu ouvi por aí que você vai se casar, que preferiu a matemática suicida ao mais lindo poema de Iéssin. Eu enchi a cara de vodka, a casa de amigos e também morri. Morri pra dentro junto com a sua psicologia torta. Morri de Wundt à Sacks, de Jung à obra roubada de Schopenhauer por Freud. Do nada, assim como te conheci. Serpenteando filosofia num amor que sempre será meu.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Menino.



E ela sentou num canto, acendeu seu Marlboro e fumou. Me adimirava sempre que a via assim, de perfil, à meia luz, embaçada pela fumaça que cortava o ar e pautava inefavelmente o silêncio. Essa era a hora dela, é fato. A hora que ela esquecia o valor do conserto do carro, o limite do banco, a vizinha escrota e os dissabores desse amor contorcido, de poucos planos e ideias abstratas. A hora que ela lembrava que era inteira, que tinha sonhos, que sentia prazer como qualquer outra e não era qualquer menino bobo que iria lhe fazer chorar. A hora que ela se sentia ela. Ela e a fumaça perdendo-se no espaço. E eu ficava ali, no outro canto da cama, no outro campo da semântica, só observando aquela completude.

De repente ela vira e me pergunta: Pra quê?

( Vem sentar aqui do lado, passeia as mãos na minha nuca, me conta uma piada, me conta sua infância, me come, me toma de volta, não deixa eu aqui, sózinha, dando tragos nessa solidão a dois. Vem cá. )

- Pra quê o que?

( Me chama aí que eu vou agora, sem medos, sem deixar o passado exposto como uma ferida aberta. Me chama e deixa eu ser o teu band-aid. Eu não curo, não saro, não cicatrizo, mas cubro e não deixo infeccionar. Me chama de seu que eu fico. )

E ela se levantou e foi fazer café. Deixou a porta aberta e a impressão de que eu nunca entenderia a cabeça de uma mulher.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Ensaio do amor no carro.



De repente ela puxou a minha mão direita e encostou no seu peito esquerdo. Era hora de parar o carro. Parar a vida. Deixar o tráfego fluir. Seus olhos que pareciam qualquer coisa que eu não sei o que é, apesar de que naquele instante eu jurei saber e conhecer desde menino, me fitaram por alguns segundos. Ela me beijou. Me beijou como uma garota que eu amava no colégio, seu gosto de canetinha de melancia. Tudo era claro, os postes, as luzes, as putas com seus orgamos prolixos, os signos.

Eu que já tinha lhe pedido tantas desculpas, naquele momento era o credor dos seus perdões. Perdão por ter me rasgado a camisa e a sensatez, o banco do meu carro com a friccão das suas coxas, perdão por ter entrado com tudo, na contra mão, nos sonhos eventuais de um homem como eu, tão simples. Ali não cabiam frases feitas, de efeito ou coisa assim. Ali eram só dois corpos que se enroscavam perigosamente em um drive-in. Sexo, tesão, uma foda casual. Vontade de bicho.

Gozamos. Nos olhamos. Mão na nuca. After kisses. Liguei o carro e continuei o itinerário. Ela ajeitando a calcinha sob o vestido. Não podia entrar em casa e dar de cara com a avó assim. Eu ajeiteitando os meus sentidos ainda com as mãos no volante. Não podia dar de cara no real, ainda com tantos cheiros, gostos e sensações. Parei em frente ao seu portão e ela me pediu pra telefonar. Saiu. Sumiu. Não liguei nunca mais.

Luísa ia continuar com seus afetos com sabor de pra sempre, ia olhar outros olhos, rasgar outros bancos. Eu ia ser o mesmo frequentador de lugares comuns. Talvez não mais os mesmos. Talvez nunca mais tão desse jeito.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

That's all, girl.



É que quando eu for embora você nem vai saber. Quando aquele ônibus partir eu não vou olhar pra trás. Você sabe, é tarde. A vida não é como um bilhete ou mandar flores. Nada fica quando se nada tem. E você nem está aí. Tome este silêncio como um adeus.

Quando eu for embora, meu amor, minha protegida, embrulhe aqueles sorrisos que deixei na frente do seu portão enquanto nos despedíamos e mande por correio no endereço que virá a seguir. Ou esqueça. Ou guarde junto com aqueles horríveis relógios coloridos que te dei.

Você talvez nem se dará conta que eu parti. Quando eu embarcar cheio de malas e medos, não fará sentido passear meus dedos pelo telefone e me despedir. Estarei longe, cantando outras meninas e fazendo novos planos. E já nem me lembrarei de ti. Então, tome este momento como um beijo meu.

Quando eu for embora, nem lembrança e nem Neruda. Nem saudade e nem apego. Quando eu for embora, só as canções que lhe fiz, os presentes que te dei e o passado que ficou.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Das coisas que a gente deixa pra trás.



Acho que era teoria mesmo. Furada. Estava lá, os signos nunca mentem. Acho que a gente leu o zodíaco do jornal passado. Não era pra ser. Estava tudo errado. Você nunca entenderia. A gente nunca sabe o que quer. Isso se chama era dos extremos, Plutão não entra em Saturno. Marte não encontra Urano e nós éramos só vinho mesmo.
Uma vez eu atropelei um gato. Preciso te contar essa história. Fiquei anos lamentando e me martirizando por isso. Parei o carro, desci e fui procurar o pobrezinho no asfalto. Eu devia ter passado com tanta velocidade que não sobrou nada. Nem rastro. Outro dia, no mesmo lugar, o mesmo gato zoneava com duas crianças na beira da pista. Era ele. Lindo, grande, gordo e cinza. Vivo.
O mesmo aconteceu com a gente. Quando acreditei que tinha passado a toda pelos seus sonhos, pelos seus planos e seu colorido, me vem você, cheia de sorrisos, brincando na beira de tudo. Viva.
Não há por que olhar pro céu, para os os planetas e fantasiar intenções. O nosso dia é a gente que faz. Não vamos botar a culpa no sistema solar. Pode ser que venha um asteroide e acabe com tudo. Como eu fiz com o gato que não morreu. Como eu fiz com você que nem sentiu.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Foi-se.



Duas da manhã e o telefone toca. A gente precisa conversar. Pô, tem que ser agora mesmo? Claro que sim, por quê, pra você não dá? Você não entende mesmo essas coisas. Tudo bem, vai, fala. Mas fala baixo que eu ainda não acordei direito. Sabe, pra mim não dá mais. Não dá o quê, meu amor? Ah, sei lá, acho que a gente se precipitou, tá acontecendo rápido demais, isso tá me sufocando... Tá, entendi. Você andou bebendo? Aí, tá vendo como você é, te ligo pra me abrir e você fica com essas bobagens, a Claudinha é que estava certa, você é um escroto mesmo. Precipitação, rapidez, Claudinha, escroto, beleza, vai falando aí que tô ouvindo, vou só beber água. Não. Pra mim já deu. Vou desligar. Não dá pra ter uma conversa adulta com você.

A gente se conheceu numa festa lá em casa, trocamos umas ideias, tomamos um vinho, deixamos o vinho nos tomar e bam! Lá estávamos nós, transando bêbados dentro do carro, o vidro embaçando, a chuva caindo e a gente se perdendo. Era pra dar tudo certo se nós não fossemos tão errados. Ela tinha muitos segredos que não cabiam nas minhas metáforas. Eu tinha muitos desejos que não respeitavam suas cláusulas. Aí dá nessa. Duas da manhã o telefone toca.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Porranós! ( Ou deixa )



Deixa que o amor é meu. Dou pra quem quiser. Agradeça se foi pra você. Mas deixa, que mal mesmo ele só faz a mim. Deixa que eu me faça um estrago, que eu me foda. Deixa que o amor é meu.

Deixa eu te sentir em saudade que, pra te dizer bem a verdade, nem dói tanto assim. Deixa que eu te sinta mesmo distante, que eu te queira, que eu te zombe, que eu te cante. Deixa, que isso logo passa e daqui um tempo você nem vai lembrar de mim. Deixa que o amor é meu.

Deixa que o amor é meu. Fico com ele, se for o caso. Se a você ele já pertence, simplesmente deixe. Deixa que de você ele só quer o bem. Deixa ele ele se fazer de vítima. Deixa ele parecer um otário. Mas deixa. Deixa que o amor é meu.

Deixa pra lá, você nem quer mesmo saber. Deixa na memória. Deixa na lixeira. Jogue tudo fora mas deixa. Deixa que essa porra de amor é meu. Não vá me julgar pelo meu carro sujo, pela minha barba por fazer, que eu não julgo você por nada que é seu. Então deixa, deixa que o amor é meu.

Deixa que o amor é meu e eu amo quem eu quiser. Você, ninguém, eu. Não precisa se preocupar que eu não sou nem um louco, talvez um pouco, mas deixa. Deixa que este amor é de Deus. Ou melhor, deixa que esse amor é meu.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Sobre vocês dois.



Aquela velha cara de bobo volta a lhe esculpir o rosto. Não há mais como negar e seus atos já não obedecem a razão que, desde menino, era sua mais irrevogável característica. Já se apaixonou por outras, é fato. Mas a feição de cachorro sem dono desta vez tinha mais sentido do que nunca. Puta que o pariu, que se foda essa porra de sentimento escroto. Não queria se apaixonar. Já não podia se apaixonar. De repente, como num legítimo, porém não menos paradoxal gavião, que voa o mais alto possível mas se deixa cair livre e loucamente na captura de sua presa, ele se jogou. Dane-se, não haviam chances de conviver com o que sentia sem a presença dela por perto. E foi então que a cegueira lhe tomou os olhos, a timidez invadiu a boca, a loucura os ouvidos e sua face se transformou na alegoria de uma paixonite dos quinze anos de idade.
Certo dia, ele olhou com mais calma no espelho e viu que não era tão ruim assim. As sobrancelhas estavam arqueadas e lhe conferiam um ar misterioso. O blasé que sua egotrip demostrava, agora era risada alta na madrugada. Com os tímpanos mais aguçados dá-se pra ouvir melhor as incertezas que ele tanto se amarra. E o olfato? Que coisa boa sentir a leveza das coisas leves, o cheiro da insegurança se transformando em delicadeza. Como num passo de mágica, ele passou a se encarar bem melhor. Foi aí que ele vestiu o seu melhor sorriso e saiu pra levá-la ao trabalho.
Se você estiver aí, isso mesmo, você que ele tanto ama, estiver lendo esse apelo de um amigo que não aguenta mais esse lenga lenga, por favor dê sinal de vida. Escreva que é recíproco ou o mande pra casa do caralho no seu mural do Facebook. Mas faça alguma coisa, eu já não aguento mais.


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Ele e, talvez, ela.



Ele já acabou com tudo. Os dedos egocêntricos já não passeam pela nuca e os livros, estupidamente, definharam com os pingos de café das noites em claro. Definitivamente ele não era mais o mesmo. Sem seus discursos pseudo filosóficos, sem as bebedeiras homéricas que, vez ou outra, lhe conferiam até um certo charme, sem boca, sem pernas, sem sentido e sem razão ele anda caminhando a esmo. Ele, que antes disso por tantas vezes fora insultado na rua por mães alucinadas, pedindo ora pra sair da vida de suas filhas, ora pra mendigar alguns esparcos instantes em sua companhia, agora não tem prazer em outros corpos e, talvez por isso, andam até dizendo por aí que ele enlouqueceu. Tudo por ela.
Ela também o amava, mas amava de outro jeito, de outras formas de amor. Ela se amarrava no jeitinho apaixonado dele mas, no fim de tudo, não dá pra se amarrar e amar, três letras ficariam de fora dessa loucura. Com aquela coisinha dentro que só quem se perde acha, ela o conquistou. Sem querer, sem palavras e jogando o cabelo pra trás. Não há o que entender. Tampouco o que se explicar. Ela o ama, mas ela não o quer. Ele que morra de saudade em algum hospício qualquer.
Os dois se encontram quase todo dia e sem perceber vão se perdendo. Ele vai se acabando. Ela, coitada, já está no barco. Acho até que um dia eles vão se casar. As coisas mudam, cara. Amanhã é outro dia. A festa vai reunir os velhos amigos. A nova casa se encarregará de abrigar o velho amor. Perdidos provavelmente envelhecerão juntos. Mas que seja logo. Antes que ele se acabe e ela se perca.