segunda-feira, 20 de julho de 2015

Pra minha amiga, com amor.

Aqui não tem esse negócio de ficar duas horas plantado debaixo do prédio esperando ela se arrumar. O negócio é diferente: sobe aqui e fica no sofá enquanto tomo banho e penteio o cabelo. Sem frescuras que não agregam nada - a gente racha a conta e ri da etiqueta pra fora um do outro sempre que é necessário. Fala palavrão na casa dos pais alheios sem querer e pede desculpa; mas sem remorsos, que fique bem claro. É que a gente se gosta. E por gostar muito um do outro a gente se respeita. Não é disso que fala o manual do amor?

Eu já era amigo dela antes de me apaixonar loucamente por aqueles arrotos que antes me enojavam. Mesmo quando ela dizia rindo descaradamente: mulheres arrotam, sabia? Era aquele cara que a ajudava nas coisas mais improváveis do mundo em troca de ter alguns minutos de mãos dadas pelo shopping. Coisas que a gente fazia (e faz) um pelo outro sem pedir, talvez até sem perceber. Coisas que foram crescendo, crescendo e consumiram tudo que havia em volta.

Vamos namorar? ela perguntou numa espécie de retórica que só as garotas mais incríveis conseguem alcançar e já foi ela mesmo respondendo: olha, já fazemos isso, já fazemos aquilo, já fazemos tudo juntos, se você reparar bem já somos um casal. A cara dela ter esses lapsos de questionamento existencial inoportunos, como naquele momento em que eu saboreava meu big mac. Mas eu queria. Queria muito. Queria tanto que eu tinha até um plano. Namoraria se ela aceitasse meu convite para assistir pela milésima vez Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. E claro que ela topou, afinal de contas, as últimas novecentas e noventa e nove vezes foi também com ela do meu lado sujando o sofá com sorvete de flocos que o filme passou.

Nesse dia eu a beijei pela primeira vez. Rindo como sempre. E foi ótimo. Foi como andar por um parque todo final de semana e depois de cinco anos descobrir que em algum lugar tinha uma cachoeira pra se refrescar. Desse dia em diante não paramos mais de nos beijar. E de rir. E de perguntar desnecessariamente um para o outro se ainda tem refrigerante na geladeira, se alguém deixou um embrulho mais ou menos assim e se a gente ainda se ama.

Uma amizade que virou amor. Um amor que virou amizade. Um clichê necessário se você ainda acredita que as coisas sempre darão certo no final. Uma verdade inquestionável se você ainda acredita que as coisas estão aí, dando certo sempre.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Tão só quanto eu.

Você está aí agora lendo o que escrevi. Quase consigo ver por um instante um sorrisinho no canto da sua boca, aquele precipitar maroto do coração quando, mais uma vez, descobriu que todas essas linhas tortas foram feitas pra você. Você está trabalhando e acabou de combinar com o pessoal de saírem esta noite pra tomar um chope e conversar bobagens. Alguém reclamou estar sem grana - o aluguel, o gás, a vida; tudo está muito caro. Ninguém topou. Daí você passou a acreditar que seria um dia triste, sem ninguém pra dividir sua solidão até dar de cara com esse texto e bam: uma felicidade clandestina passa a invadir cada poro, fazendo arrepiar cada pelinho loiro do seu corpo claro.

Você está tão só quanto eu, admita. Sei até que você está se sentindo irritada, sufocada com esse cara que reapareceu Deus sabe quanto tempo depois na sua vida e que vem escrevendo poemas de amor com seu nome na internet. Mas sei também que esse cara sou eu e que, mesmo você não gostando, não vai me dizer pra parar. Você é educada demais, talvez até boba demais, pra ter uma atitude assim e, acima de tudo, sei que essas bobaginhas todas que você lê podem ser a parte mais reconfortante do seu dia. Então, resta-me declarar que te dedico toda a minha poesia como se fossem afagos no seu cabelo.

Você vai chegar em casa, girar a chave do seu quarto e perceber que esqueceu a televisão ligada. E eu aposto que não vai se importar. Vai abrir uma cerveja, entrar na internet e mandar uma mensagem para aquela amiga que você já não vê faz tanto tempo. Aí você vai inventar prazeres, omitir dissabores e talvez até contar que eu, mais uma vez, andei insistindo em escrever pra você. Que cara chato - ela irá dizer. Você manda uma carinha de concordância mas suspira outra vez ao pensar que existe alguém bem longe lembrando de você, querendo compartilhar um vinho e alguns sorrisos.

Um dia vai ser diferente, isto é, se você quiser. Um dia eu paro de marcar você nas minhas publicações e você vai se perguntar o que aconteceu. Um dia eu falo tudo isso pessoalmente pra você perceber que em mim nada é decorado além dos seus olhos caramelos que são os mais lindos que já vi. Um dia, quem sabe, a gente junta essa solidão e sai pra dançar a música que você mais gosta. Um dia, talvez um dia, quando você entender que tudo isso é verdade e houver disponibilidade em algum avião, pode me chamar. Eu vou.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Petit Delice.



"Para quem ama,
 não será a ausência a mais certa, 
a mais eficaz, a mais intensa, 
a mais indestrutível,
 a mais fiel das presenças?"
Marcel Proust

Coisinha linda que é você - disse sem reparar muito bem no cabelo e no português desarrumados. Já era quase uma da manhã e eu passava da décima caipirinha de saquê quando vi você passar com aquela mistura de delicadeza e inocência presa num frasco de um metro e sessenta e poucos. Meio tarde e eu já pra lá de Vladivostok resolvi as palavras da minha gramática mais sacana.

Cheio de savoir faire, fui me travestindo numa espécie de Alain Delon de butequim falando dos seus cabelos negros com a poética que só os melhores filósofos de zona conseguem alcançar. E você me disse seu nome - detalhe bobo que minha memória seletiva não consegue lembrar - quando eu já me encontrava perdido do seu lado dentro daquela madrugada imensa.

Foi se ajeitando em meu peito como um pássaro perdido reencontrando o velho ninho, matando o frio com cachaça, poemas russos e elogios ao pé do ouvido, se deixando levar pra casa por este rapaz cheio de frases feitas. Talvez eu tenha chegado na hora certa, como num filme esquisitão, antes da mocinha se jogar do décimo quinto andar. Talvez não.

Não pediu para eu subir nem perguntou se eu aceitaria um café bem forte. Me negou solenemente seu telefone e revelou baixinho talvez nunca mais voltar àquele bar. Disse pra eu não me lembrar mas deixou escapar que nunca iria esquecer enquanto rasgava uma página de Proust que carregava antes de dobrá-la  para colocar suavemente no bolso do meu paletó xadrez. Era isso. Beijou minha bochecha esquerda e partiu.

Hoje, petit delice, me lembrei de você sem que eu quisesse e você permitisse. Discutindo Maiakóvisk com uma outra moça parecidíssima em tudo contigo. Os olhos verdes e infinitos. O sorriso bobo e talvez até um pingente de golfinho como o que você usava o dia em que te conheci. O mesmo bar. Quase tudo sem você.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Enquanto for amor, lembrança.


Me lembro que tocava Blur quando eu vi você indo embora e se perder na noite escura. Você disse que já não dava mais e saiu carregando suas mágoas, algumas lágrimas e uma bolsinha de bordas douradas. Lembro que fiz uma cara de bunda, dessas que a gente faz quando finge não estar nem aí, antes de você se despedir e eu pedir a décima primeira dose de conhaque. Acho que não disse adeus. Acho que sequer olhei em seus olhos quando você partiu.

Me lembro que duas semanas antes do fim a gente estava até bem, até feliz por ter tomado a decisão de adotar um cachorro de rua ao invés de comprar um buldogue francês de sei lá quantas mil dilmas. Lembro quando a gente encontrou o Duque todo sujinho debaixo de uma árvore ostentando toda aquela vira-latice maravilhosa e você disse que, a partir daquele momento, ele seria nosso filho enquanto não tivesse filhos humanos e que, mesmo depois de nascidos, nossos filhos humanos seriam irmãos do nosso filho cachorro. E a gente riu disso. E a gente ficou puto com isso depois que descobriu que teria que se desfazer do carro por causa do cheiro que o Duque presenteou com sua chegada. E a gente riu de novo. Muito mais até.

Me lembro que a gente brigou feio naquela sexta a noite. Só não lembro o por quê. Talvez tenha sido pela toalha molhada em cima da cama, talvez por querer sair com aquela velha camisa do Hendrix que me fazia parecer um soldado hippie combalido acabando de chegar do Vietnã. Talvez por tudo isso e muito mais. Custo a acreditar em clichês estereotipados onde as mulheres brigam por falta de opção ou de assunto. Acho que foi um acúmulo de coisas que fiz e que deixei de fazer. Sim, foi isso. Um ponto pra mim por admitir com humildade meus erros e fraquezas.

Me lembro que não tocou Blur quando eu acordei. Me lembro que não tocava nada além do bumbo sem ritmo dentro do meu peito. Me lembro que senti uma falta imensa de ver você abrindo as persianas. Lembro que não consegui chorar. Era só lembrança e uma dor seca e funda - talvez apenas ressaca. Lembro que peguei o telefone mas não senti a mínima vontade de te ligar. Queria apenas ficar passando as fotografias pra lá e pra cá. Percebi que tinha vindo antes no apartamento e levado o cachorro. Me lembro ainda do bilhete: apesar do lindo desejo de ficar, sou obrigada a ceder à necessidade feia de partir. E talvez nunca mais voltar. Um beijo.

Pra me lembrar, agora, vira e mexe volto àquele bar e peço outro conhaque e confesso que nunca mais lavei o carro. Pra me lembrar de como era o seu rosto eu imploro a todos os caras fodões em computação que eu conheço para recuperar os arquivos que deletei do pc e do celular uma dessas noites pra trás. Pra me lembrar estou cuidando de outro dog simpaticíssimo a quem dei o nome de Duquesa (okay, ele é macho, mas juro que eu fico na expectativa dele e do Duque se apaixonarem e formarem o primeiro casal gay da história dos vira-latas). Pra me lembrar fico ouvindo mil vezes o recado da secretária que gravamos juntos: não estamos aqui, talvez uma outra hora. Até.