quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Aos vinte e sete.


Neste próximo ano eu faço vinte e oito. Quem me conhece sabe, eu sempre tive um misto de medo e vontade de morrer aos vinte e sete. A poesia ainda me consome. Ainda não cumpri nada do que planejei aos dezesseis. Não fiz um filme. Não casei. Não escrevi minhas pequenas notas biográficas e nem fui à Londres conhecer a Abbey Road. O lance é que, olhando daqui, eu fui putamente feliz. Tive amigos que me deram a maior força quando fui encontrar minha primeira namorada. Uma família incrível que incentivou meus sonhos mais insanos. Uma vida cheia de propósitos que, ainda que não completamente cumpridos, foi do caralho.

Pensei em escrever qualquer coisa sobre o final do ano que parecesse fofa para quem estivesse lendo. Pensei até em esmiuçar cada frase do James Joyce pra dizer que estes trezentos e sessenta e cinco dias que passaram tiveram alguma utilidade comum a todos. Mas não. Não por que eu não sei o que se passou na sua vida. Não por que de repente seu cachorro pegou uma virose e você passou uma semana com ele no veterinário. Hoje eu só quero dizer o quanto meu ano foi bom. E ele foi foda.

Há muito tempo que eu vinha tentando por em prática minhas alucinações panfletárias. E eu pus todas elas na roda viva destes dias que se passaram. Lancei minha coleção de camisetas, que foi uma noite linda e quase que não sobrou nenhuma pra mim. Ajudei a organizar uma cavalgada que ficou na história da cultura popular da minha cidade. Tive o privilégio de promover um encontro na internet dos meus amigos escritores com os poetas que admiro desde que eu era criancinha. Juntei uma galera pra pedalar duas vezes a favor da cultura e virei ícone da luta em prol dos artistas que tentam publicar alguma coisa. Por isso tudo eu digo que valeu. E mais: tudo isso ainda é presente em mim.

Este ano eu coloquei meu nome à disposição do meu partido para as eleições de dois mil e dezesseis e, se tudo correr do jeito que está, provavelmente você está lendo um futuro prefeito. Diagramei um jornal. Planejei outro jornal. Me mudei e fiz questão de deixar claro que eu semprei amei o que faço: a arte de colocar num papel as ideias que tive quando achava que o mundo poderia mudar se a gente mudasse. As ideias que ainda acredito.

Este ano eu tomei coragem de me declarar para aquela moça que eu sentia tanta falta há quatro anos. E eu pareci um idiota. Este ano eu bebi demais e falei coisas demais que me fizeram prometer não colocar nada de álcool na boca em dois mil e quinze. O ano que vai chegar e nos trazer tantas outras oportunidades de ser feliz. E de resgatar. Por que aquele menino que sonhou em mudar o mundo está conseguindo. Aos vinte e sete eu renasci.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Para Gabriela, para sempre.


Eu andava meio desavisado quando alguém ligou e eu te conheci. A metáfora mais real e perfeita pra tudo que eu conheci ao seu lado. Justo quando eu não sabia de nada, veio você e me explicou tudo. E foi no exato momento que eu acreditei conhecer alguma coisa que você chegou confundindo o que ainda havia de certeza em mim. A melhor. Sem mais.

Lembro quando eu te buscava na parada de ônibus e a gente ficava conversando no carro até altas horas por que era bom ficar assim; rindo das nossas pequenas descobertas ouvindo Engenheiros do Havaí. Lembro quando você me pediu pra fingir ser seu tio pra você passar um fim de semana viajando. Lembro quando a gente bebia litros de vinho barato na varanda. Lembro que você me fazia um bem imenso. E ainda faz.

Tinha tudo planejado: passar as férias com você em Floripa e te recitar todas as poesias do Manoel Bandeira. Não deu certo. Hoje eu vejo que tudo que aconteceu, é verdade, até nossos tropeços, foram lindos. E a gente continuava a fumar um Madison até alguém pegar no sono e dizer até logo.

Eu tô com uma puta saudade de você, garota. Saudade de brincar no negro dos seus olhos que são os mais lindos que já vi. De te levar pra casa depois de ficarmos horas conversando abobrinhas e tomando açaí. De te encontrar no carnaval. De ir à boate mais copo sujo de todos os tempos com você. Por que tudo isso era maravilhoso. E era tudo isso com você.


quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A chuva para os dois.


Era assim quando chovia: você dizia que era perigoso ficar com os pés no chão só para eu colocá-los entre os seus, no sofá. Uma coisinha fofa. Mas hoje tá relampeando tanto que eu nem sei se era tão boba assim. E você desligava a tevê alegando que ela poderia queimar com um raio, que deveríamos apagar as luzes e dormir abraçados e tantas outras coisas. Como era bom fingir que acreditava em toda aquela historinha apenas pelo prazer de ficar em silêncio, ali, grudadinhos assistindo os pingos baterem na janela da sala.

Chove lá fora e talvez você esteja nesse momento ensinando um outro cara a sobreviver no temporal. Bom, olhando agora, parece mesmo que, quando foi a minha vez, eu não aprendi. Já não não sinto mais meus pés fora do chão antes mesmo de você pedir e, quando acendo a lâmpada, é claro, a luz acabou.

Ando esperando outros dias com mais sol, onde a sua falta não faça desabar o céu e eu não sinta mais tanto medo de dormir sozinho naquele velho sofá. Dias em que eu possa tirar sem medo a toalha na frente do espelho por que a manhã está linda. E é aí quando eu penso se é isso mesmo que eu quero; viver pra te esquecer justo quando é lindo te lembrar. Um misto da sua presença ausente em cada pingo de chuva que agora cai sobre mim.

Tenho pensado tanto em você. Lá fora o mundo se derrete em lágrimas. E eu não tenho mais você aqui pra me dizer o que fazer.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Chocolate Quente.


Assim eu/ em tua direção sempre me inclino/ 
apenas nos separamos/ mal acabamos de nos ver.

Vladimir Maiakóviski,  O que aconteceu comigo.



Ela chorava copiosamente num canto da sala. Era estranho ver aquela moça tão bonita desabando em lágrimas, os cabelos molhados depois de um banho demorado, sentada com as mãos no rosto. Na verdade, sempre me desconcerto ao ver mulheres chorando. Acho que mulher não deveria chorar. Me agarrei a ela e, sem querer, eu chorei também.

-Fica tranquila, eu volto na sexta.

-Talvez, talvez... isso seja tempo demais.

-São só cinco dias.

Cinco dias. Cinco dias. Eu repetia essas palavras como um mantra quase dentro das suas orelhinhas ainda úmidas. Não bastava. Nada que eu dissesse faria alguma coisa mudar dentro daquilo que a gente estava vivendo. Essa foi a minha escolha, não dela. Não era ela quem mandava cartas de amor. Me senti um cafajeste profissional. Ficaria fora menos de uma semana mas isso não importava. Ela me pedia pra ficar.

-Tchau. Fica com Deus.

-Olha, eu não amo você.

-Que conversa é essa?

-Não. Eu nunca amei você. E agora, justo agora, que eu aprendi a fazer chocolate quente na medida certa pra duas pessoas você vai embora?

-São só cinco dias.

Saí reparando em cada detalhe que eu via na rua. Os postes. As mesas. As pessoas que não se encontravam. Cinco dias. Era tempo demais para ela.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Me encanta. Mas vai.

E era amor pra caralho. Mesmo. Desses que a gente reinventa todos os dias, todos os minutos. Desses que a gente se diverte só de lembrar como era engraçado ficar se olhando por entre os copos - por um instante nos deformando, em todos os outros nos confundindo. Um amor que a gente fica vendo acontecer na tela quente e se dá conta que também, um dia, também foi nosso.

Por que tudo era seu: cada bobagem que eu via, cada ônibus que eu perdia, o casal de passarinhos fazendo ninho na minha varanda. Tudo era motivo para um SMS apaixonado pra contar que, pela graça de existir, sim, você eu, aquilo tudo também era nosso. E você ria sem dar explicação aos outros, lendo aquela mensagem de texto sem por quê ou pra quê, lembrando de mim. Lembrando de mim por eu estar, loucamente, lembrando de você às três e meia da tarde.

Agora eu ando meio só, é verdade. Não gosto muito de ficar explanando os motivos que nos levaram a caminhos tão opostos. Porque isso, porque aquilo... as pessoas insistem em me fazer perguntas que, honestamente, eu não tenho respostas. Bem que eu poderia dizer que acabou por que acabou ou mentir que você mudou pra Londres pra terminar um curso qualquer. Que talvez eu estivesse ocupado demais escrevendo. Que nossas famílias não se batiam muito bem. Mas eu não sei. Talvez ninguém saiba.

Devo confessar que não abro mais minhas redes sociais desde que eu vi uma foto de você sentada ao lado de um cara que, era tão óbvio, sentia alguma coisa também. Não quero mais me propor a isso apesar de te desejar toda sorte do mundo com ele ou com quer que seja. Eu te quero bem. Como no primeiro momento que te vi e já descobri que era amor pra caralho. Mesmo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Um para o outro.

Era a sua barba preferida. Mesmo que estivesse toda estranha pela manhã. Mesmo que estivesse curta. Mesmo que estivesse longa. Mesmo que a cara estivesse lisa como uma bunda de bebê. Era a sua barba preferida mesmo assim. Não adiantava ninguém lhe dizer que achava esquisito uma garota como você andar de mãos dadas com aquele sujeito. Aquela era a sua barba preferida e aquele sujeito era eu.

Era sua noite favorita. Bastava estar ao meu lado, fosse dançando loucamente Somebody Told Me, do The Killers, ou deitados no sofá assistindo um filme B no sábado à noite. Bastava estar tomando uma cerveja no copo de requeijão. Bastava estar conhecendo meus amigos mais inconvenientes. Era a sua noite favorita e disso você não abria mão. Quem lhe dissesse que tudo isso estava fora de contexto não vivia naquele planeta. Bastava um sorriso, um sorvete ou um café: era a sua noite favorita sempre que estava comigo.

Era a minha alergia predileta. Mesmo que eu precisasse aspirar trinta vezes minhas almofadas todos os dias. Ainda que eu não pudesse mostrar meus livros raros do Machado de Assis por que você passaria a noite espirrando letrinhas. Mesmo que camarão fosse banido do cardápio. Mesmo que sabonetes especiais custassem bem mais caro. Era a minha alergia preferida por que era sua e tudo que vem de você pra mim é lindo.

Era e acabou. Ou melhor, ainda é mas acabou. Tudo ainda vive aqui apesar dos pesares. Continuo deixando minha barba crescer e as noites ainda são como eram antes: preciosas e presentes como um abraço seu, distantes como seus braços agora estão de mim. Você provavelmente ainda é a mesma e espirra toda vez que encosta no travesseiro. Que saudade. Sem mais.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Dar-te.

Por todas as formas, cores e sorrisos que já provei - um azul mais brilhante, um vermelho quase ausente e algumas outras geometrias - eu deveria ter mesmo te encontrado aquela noite. Aquela noite que subia e você, com seu diadema de estrelas, me apareceu como aparecem flores no asfalto e me perguntou se eu queria beber alguma coisa. De toda aquela beleza delicada que se doava em algumas palavras eu só percebia aquilo que eu queria e continuo querendo ver: duas forças completamente antagônicas se atracando no mais belo espetáculo que se pode observar numa mulher: a austeridade e a altivez. Linda. Bom, eu quero dois chopes e uma porção de alguma coisa.

E se hoje me vejo ausente de mim, nesta história de abnegação, de deixar de ser você para ser o outro, não foi por pura displicência da minha parte. Eu acredito que amor é muito mais do que paixão; pra mim ele é compaixão. É sentir como se sente aquela outra pessoa. Um desapego voluntário de quem quer ver o outro bem. Sem mais. Eu gosto de você como uma criança passa a gostar de um passarinho e quer tê-lo sempre livre.

Assim, nessa loucura de pensamentos, eu fui me deixando por vontade, me entregando às verdades daquele balcão, entre as garrafas de muitas cores, entre os amigos de poucos amores, fazendo música da matéria prima que eu passei a chamar de solidão a dois. Da esperança cega de vê-la em meus braços, da delícia de desejá-la em liberdade e de tudo aquilo que eu sempre acreditei de coração. Fui todo seu por necessidade, até.

Agora eu vivo esperando aquele esmalte café com rebú me trazer de novo a alegria, contando os segundos pra poder me jogar neste infinito de sonhos que são seus olhos negros. Esperando aquela conversa de balcão que me embriaga mais que vodka. Já não sei quando volto. Mas volto.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Bloco de notas.



E hoje eu já fiz quase tudo. Barba, ofício, poema. Mandei carta. Mandei flor. Hoje quase fiz uma canção de amor. Hoje eu já fiz quase tudo. Plantei em silêncio uma margarida e sorridente estourei uma bola de chiclete. Conversei com meus amigos, discuti milhões de bobagens e me sentei pra descansar. Hoje eu quase pedi sua atenção. E sim, hoje eu sorri.

Hoje eu já fiz quase tudo. Li o jornal de ontem e dei seu nome a um passarinho. Pedi passagem. Dei passagem. Senti o fluxo apressado do sangue do cotidiano enquanto tomava meu sorvete de flocos. Hoje eu quase parei. Assisti de pertinho a dor quem passa e percebi o quão longe as pessoas fingem estar do mundo. Dei a volta. E outra. Hoje eu quase fiquei tonto. E sim, hoje eu chorei.

E hoje eu já fiz quase tudo. Só não tenho ainda seu telefone. Pra ligar e dizer que te amo e hoje quase tudo fiz. Que me faltam espaços pra caber ainda mais do seu não-me-incomode-que-eu-mal-te-conheço. Que hoje eu senti uma falta doida de viver do seu lado como nunca senti. Que eu sai cantarolando seu nome por aí - Renata, Renata, Renata... Que hoje eu quase fui tudo olhando para uma foto sua.

Hoje eu já fiz quase tudo. Tatuagem e compromisso. Tratei de esperar o sol sair assistindo Telecurso 2000. E hoje eu quase corri. Fiz novos planos e alguém riu de mim. Dei bom dia. Virei a cara sem querer. Espero que a pessoa tenha tido a sensibilidade de perceber que eu estava escolhendo sapatos pra dar para o meu melhor amigo. É aniversário dele amanhã. Hoje eu só pensei em você. E hoje quase te comprei um Scarpin. Hoje eu já fiz quase tudo, falta pouco. Te amo.

Já fiz tudo que tinha pra hoje.


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Palíndrome.



Tinha o doce anacrônico do que era velho e novo ao mesmo tempo. E dava pra ver em tudo aquela presença ausente, a foto, a lembrança, a alegoria fantasmagórica que Machado nos deixou como legado da sua própria lição de amor: o que ficou ainda existe ali. Não há como extirpar do tempo todo aquele gestual frágil que se insinuava naquela mesma hora da manhã.

É próprio do meu desejo errante cavalgar pela memória e encontrar alguns conhecidos caminhos já percorridos, é dele a sensação de estar sempre preso - se é que se pode algemar algo feito de tanta paixão e fúria - no momento exato em que cruzei com essa sua mania de ficar coçando o nariz até ele ficar vermelho. 

Se hoje procuro sentido, encontro muito mais em Bruno e Marrone do que em Peyrce e isso talvez me faça cair várias posições na cadeia alimentar dos pseudos intelectuais de buteco mas, dizer: ei, eu te amo, sim, EU TE AMO, em letras garrafais e pra todo mundo ouvir tem me feito um cara bem melhor, eu acho. De qualquer forma, fica a sensação do que foi dito, signo e significante, e não há nada mais puro do que essa semântica torta que eu mesmo escolhi.

Então eu escrevi uma canção que falava de nós dois. Uma música que diz sobre uma distância flexionada, Deus do céu, distanciamento. E me senti outra vez embaraçado por fazer tanta firula por algo que, pensando bem, tá bem lá pra trás. Ora bolas, pra que tanta lucidez, gostar de alguém é sempre assim: vergonha e vertigem. E encantamento. 


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Pequenos gestos de amor e mágoa.


Tenho pensado bastante em você e em como poderia ser diferente se você me ouvisse mais. Se, de repente, você tivesse ido àquela festa. Se gravasse minhas músicas na sua playlist. Ou não. Pensado se algum dia eu vou poder acordar mais cedo só pra te ver dormindo num domingo de manhã. O que poderia acontecer se a gente se encontrasse por aí quase por acaso. Eu elogiando seu novo corte de cabelo, você me dizendo que, na vida, tudo está como deve ser. Pensado bastante em você.

Tenho pensado em te chamar pra morar comigo, assim, do nada. Pensado como seriam nossos mundos se convergindo, se misturando e se transformando. Nossos filhos correndo pela casa. Nosso cachorro lambendo nossos joelhos. A gente se curando de todas as feridas que o passado deixou em nossos cotovelos, sorrisos e calcanhares. Tenho pensado em você como minha mulher e sou feliz mesmo assim, só pensando.

Tenho pensado em você me dizendo não só por que achou mais conveniente recusar meu convite para sair na sexta e, assim,  continuar vivendo uma vida que o destino não te escolheu. Pensado em você conhecendo um outro cara justo naquela noite que você resolveu mudar a rota pra não ir ao meu encontro. E este cara te amar ainda mais que eu e te dar tudo aquilo que prometo e muito mais. Tenho pensado em você sorrindo ao lado dele, caminhando de mãos dadas pelo shopping. Pensado que, se for pra você ser mais feliz, que assim seja.

Tenho pensado em não pensar nunca mais em você e desviar minha saudade para uma garrafa de vinho toda vez que eu me lembrar que aí, justo aí, sobre esta cadeira onde você está lendo isto agora existe a mulher que eu quero do meu lado o resto dos meus dias. Pensado em esquecer toda e qualquer lembrança que me venha a me trazer de volta o seu cheiro e tudo aquilo que anda me fazendo tão tristemente feliz. Tenho pensado em te tirar de mim. Mas como se já não sei mais separar o que é seu do que é meu neste infinito particular que criei só pra nós dois? Tenho pensado e, sem coragem, desisto.

Tenho pensado em gostar de você pra sempre. Em esperar, cada segundo da minha existência, o momento em que sentaremos pra conversar e eu te explicar tim tim por tim tim essa história maluca que é amar o que ainda existe de você em mim. Pensado em esticar as horas em que uma foto sua me aparece por acaso. Pensado em construir uma ponte de chocolate pra ligar essa nossa distância. Pensado em deixar tudo como está. Pra mim tá tudo bem. Pensado que o que você tem me feito foi uma das melhores coisas que já me aconteceram. Tenho pensado bastante em você. 


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Minha solteirice.



Primeiro aviso: o cabelo vai, lentamente, ficando branco. A gente vai mesmo envelhecendo; dia após dia, hora após hora, a cada movimento do relógio e não há nada que se possa fazer contra isso. Nem usando Grecin dois mil. E a gente vai percebendo o que realmente importa e vai deixando o resto pra trás. Tudo imensamente normal até você perceber ei, cara, você ainda tá solteiro!. Não que eu ligue pra esse papo moralista de que pra se amadurecer tem que se ter, invariavelmente, alguém do seu lado pra perceber as novas rugas contigo, estabelecer um lar e blá blá blá. Na real, eu tô mesmo cagando pra isso. Não só por que a imagem de um casal brigando por causa de pasta de dente me cause arrepios mas também por que ainda morar com a minha mãe é ótimo. Mesmo.

Não tenho essa afetação de adolescente que conhece a menina na escola e trocam juras de amor, compram um chevete oitenta e dois e se casam pra tentar provar pra todo mundo que uma vida a dois pode disfarçar a imaturidade que a gente tem, sei lá, até os oitenta anos. Desde muito cedo eu aprendi a me apaixonar e desapaixonar, sofregamente até, sem me deixar levar por convenções estereotipadas de comercial de margarina. Fui, sou e provavelmente serei o estranho da turma. Quero sim, assim que adquirir um pouco mais de cabeça, trocar alianças na frente do padre, mas quero ser feliz primeiro, namorar bastante, sair bastante, conversar bastante e chegar a hora que eu quiser. Do mesmo jeito que me chamam de alienígena quando perguntam e aí, como foi a noite passada com aquela "sua amiga"? e eu respondo sem a menor sombra de dúvida foi maravilhoso, ela não quis transar e a gente passou a noite inteira de conchinha assistindo filme francês. Cada um tem uma ideia de vida perfeita. Bom, a minha é assim.

Segundo aviso: o número de casamentos que você frequenta passa a ser proporcional às cadeiras vazias na nossa roda de amigos. Todo mundo tem sua vida, eu entendo. Ou me esforço pra entender. Fulano de tal conheceu beltrana naquele show animal do Los Hermanos e, depois de muitas margueritas e diálogos pseudo intelectuais, resolveram se casar em Trancoso. Pô, eu admiro. Mesmo sabendo que a mina, na verdade, é engenheira e fala de números o dia inteiro e o cara é professor de lamba aeróbica. Só espero que eles não tenham que beber uma dose cavalar de tequila toda vez que vida for tão Ana Júlia pra virar, assim, um Cara Estranho.

Sei que tudo pode dar certo, eu admito. Não sou assim tão irredutível pra anular a hipótese de que amanhã posso virar a esquina e me esbarrar com o grande amor da minha vida. Tô até afim de alguém, se é essa mesmo a questão. E faz muito tempo. E eu me declarei só agora. Gosto dessa história de sentir um friozinho na barriga quando ela tá on line, de não saber se ela vai me responder ou não no bate papo, de não saber o que pode acontecer se ela aceitar sair comigo na sexta a noite. Parece masoquismo. Mas é vida. Aquilo tudo de inesperado que jamais vai acontecer se você estiver estirado no sofá da sala assistindo Palmeiras x Criciúma com uma pessoa ao lado que você mal conhece. Você sabe que a mãe dela é ruiva mas não sabe se ela escrevia poesia na oitava série, por exemplo. Sabe que ela tem um corsa hatch mas nem passa pela sua cabeça que ela pinta as unhas de acordo com o seu signo do dia. E eu não queria dizer isso mas, isso aí não é felicidade. É, no máximo, comodismo.

Vou me casar um dia. Eu acho. E isso pode acontecer apenas quando meus cabelos estiverem completamente brancos e eu estiver sentado sozinho no buteco. Ou pode rolar na semana que vem. Mas pra mim, pra mim que só acredito na completude se for com aquilo que te faça realmente feliz, tem que ser de verdade. Como um bom clichê do cinema, caso o contrário, não serve. E não adianta vir de mi mi mi que eu tô muito bem assim. Solteiro, feliz e elegantemente grisalho.


terça-feira, 19 de agosto de 2014

Savoir Faire


Ele queria encontrar um amor de verdade. Esse seria seu passo inicial; bom, o segundo seria amá-la a vida inteirinha. Sem que seus amigos achassem isso uma boiolice incontrolável. Sem que ele tivesse medo de se decepcionar mais uma vez. Sem que ele tivesse que dizer pra ela deixar a chave do tapete se a intenção fosse nunca mais voltar. Não era assim tão complicado, nada que uma boa festa, um cabelo maneiro e umas três doses de tequila não pudessem resolver. Ele chegaria no balcão como um ator pornô francês e diria algumas palavras em seu ouvido e bam: nasceria ali um amor eterno e verdadeiro. Mas acontece que ele não bebe tequila e nem tem um cabelo assim tão legal. Droga, parecia tão óbvio!

Ela tava assim, por assim dizer, de boa. Não tinha mais tanta pretensão de encontrar um cara montado em um cavalo branco que quisesse levá-la pro baile da primavera. Suas amigas a preenchiam como um chiclete no buraco do radiador. De qualquer forma, elas ajudavam. E mesmo que ela estivesse sempre vestida pra arrumar o boy do terceiro andar, andava preferindo voltar para o seu apartamento sozinha, abrir um vinho e assistir um filme do Godard. Mas havia algo que fazia falta naqueles olhinhos tão falsamente bem resolvidos. Talvez aquele cara de calça jeans e all star que a apoiasse quando fosse pintar as unhas de azul-bebê, um cara vestindo uma camiseta do Metallica que olhasse pra ela e dissesse com a maior calma do mundo você é linda, vai ficar tudo bem.

Essa não é uma história daquelas que duas pessoas solitárias se encontram, de repente, numa mesa de bar. Mas também não chega a ser um conto da Tati Bernardi onde quase tudo acaba mal. Um dia eles se esbarraram sem querer, como Eduardo e Mônica, numa festa estranha e com mais gente esquisita do que se pode imaginar. E começaram a falar perdidamente pela madrugada sobre cinema iraniano, Phillip Kotler e Cavaleiros do Zodíaco. Como se o mundo fosse acabar naquela noite se comeram com os olhos até o carinha do som botar pra tocar Take Your Time, do Fun, e fazer com que toda aquela timidez se transformasse em êxtase e vontade de sair por aí, só os dois, a desbravar o universo.

E assim eles se conheceram e não se desgrudaram mais. E naquela mesma noite ela foi morar com ele. E no outro dia foi a vez do Mario, o labrador caramelo, a se mudar. E Fun não parava de tocar. E ele também adorava Godard. E ela curtia muito quando ele dizia que tinha um certo Savoir Faire com o sotaque mais macarrônico que já tinha ouvido em toda a face da terra. Ele com seu all star desbotado e sua camiseta preta, ela com sua altivez e suas unhas azul-bebê. E as coisas acontecem assim: mesmo que ela não espere ou que os amigos dele o chamem de boiola pro resto da vida.


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Você não deve saber.



Nunca tive um bom motivo pra dizer que gosto de você. Suas fotos no facebook, na real, me dão até uma certa raivinha de como você pode ser assim tão feliz sem mim, uma vontade incontrolável de nunca mais entrar em contato imediato com essa saudade que quase sempre se resume em vinho barato, Strokes e solidão. Nunca tive um motivo claro ou algo oficial que me coçassem os dedos pra pegar o telefone e te ligar às três e meia da madrugada pra contar como estão as coisas que você, mesmo sem querer, deixou em mim; não gosto de ficar sempre explicando aquele sorriso bobo toda santa vez que eu me pego pensando em como tudo seria diferente se eu ainda pudesse ficar aí. Nunca tive um bom motivo pra dizer que gosto de você. Por isso gosto tanto.

Nunca tive um motivo sequer pra dizer as coisas que te disse outro dia, de me revelar agora tão tarde -ei, eu gosto de você apesar de todos esses anos..- logo agora que tudo parecia perfeito, onde a sua presença ausente compunha tão bem como um Lichtenstein na parede do meu quarto. E mesmo que cada vírgula, cada espaço e cada respiração ofegante tenham sido de verdade, foi precipitado. Nesse momento as coisas parecem meio bambas e fora do esquadro e sem simetria justamente como eram antes de tudo ter sido revelado. Por isso nunca tive um motivo pra dizer que gosto tanto de você. Assim, só assim, gosto tanto.

E, me perguntam alucinados, se toda esta falta de motivo acabasse na falta de amor? Não sei. Provável que sim e que daqui alguns séculos eu não me lembre mais de como você sorri levando a mão perto da boca, contida, um sorriso bomba atômica prestes a explodir numa gargalhada infindável. Provável que daqui algumas gerações eu me esqueça que sua pele combina tanto com a minha. Ou pode ser que, mesmo daqui a pouco, eu possa me apaixonar ainda mais por esses olhinhos que contam tantas histórias. Não sei. Por isso nunca tive um bom motivo pra dizer que gosto de você. E eu gosto tanto.




segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Ímã.

A minha senha do facebook ainda tem tudo a ver com você. E não, você nunca vai descobrir. Voltei a lembrar disso depois que recebi um e-mail com algo do tipo "seus dados podem estar desprotegidos" e me pus a verificar; que ridículo, eu respondi a todas as perguntas com algo relacionado ao seu cheiro de canetinha de melancia, ao seu cabelo dourado ou com aquilo tudo que eu sentia quando me deparava com você naquela mesma hora da manhã. E foi foda.

Foi foda por que era foda gostar de você sem que você ao menos soubesse. Foda por que eu quis mesmo ir embora e nem foi só por sua causa. Foda por que, cacete, eu te admirava pra caralho que até posso criar um estatuto das pequenas coisas que, vindas de você, faziam o meu dia muito mais bonito. Como quando você reparava nos meus tênis novos ou quando você me chamou para assistir sua colação de grau e eu fiquei pensando eu? logo eu? que honra! e até mesmo da sua cara de felicidade clandestina quando eu passava por você e, completamente sem jeito, te dava um sonho de valsa. Foi foda por que eu quis viver isso tudo outra vez mas o tempo passa, gata, e o tempo... o tempo também é foda.

Agora me vem uma nostalgia tão boba, tão de menino apaixonado, que ando preferindo ver minhas configurações de privacidade do que ficar rolando pra baixo e pra cima a minha linha do tempo. Me parece muito mais honesto da minha parte estacionar naquilo que realmente valeu do que assistir um gatinho vestido de super homem. Se bem que gatinhos vestidos de super homem são demais. E fico respondendo sozinho as mesmas perguntas, vivendo em segredo a vida que queria ter ao seu lado.

A minha senha do facebook ainda tem tudo a ver com você. E não, você nunca vai descobrir.





domingo, 3 de agosto de 2014

Um poema de amor para Renata.




"... como se fosse sempre antes/ como se de tanto esperar/ sem que te visses nem chegasses/ estivesses eternamente/ respirando perto de mim."
 Integrações, Pablo Neruda, O Coração Amarelo, pg 47.

Te refaço
e tudo parece imenso pra mim
desfaz a guarda e olha
hoje o céu é infinito e prateado.

Renovo
e escolho seu melhor sorriso
tudo combina
com esta loucura pura que fiz
(só pra nós dois)

Tenho de você o que preciso:
a lembrança que -loucamente- me basta.


Parece tão estranho e confesso que sim, é meio difícil mesmo de acreditar. E escrevo e reescrevo um milhão de vezes a mesma frase na esperança de parecer o menos infantil e para que você entenda: é só amor, não me leve a mal. É só aquele velho sorisso que continua habitando as minhas manhãs. E tudo isso que a gente vai guardando nestas andanças. Nada seu se perdeu em mim.

O que acontece na verdade eu nem sei. Não consigo admitir que seja apenas mais uma canção de amor do Lulu e muito menos acho justo não te contar todos esses sonhos que ando tendo com você. Nessa confusão que eu deixei entrar pela porta da frente e que já fez morada dentro de mim é onde me encontro -impreciso e bobo- já tão sem saída. Me entrego sem nem mesmo lutar.

Um fato curioso sobre esses anos todos: nada muda. Anotei que um dia voltaria e diria tudo isso diante desta sua luminosidade que cega e cá estou, ainda que com uma certa distância, a preservar meu voto silencioso de gostar imensamente de você e não pedir nada em troca, de ser o observador apaixonado, nada mais. Só não sei se estou fazendo da maneira certa, mas fica a certeza do que digo e da coragem homérica que não faço a menor ideia de onde tirei. De qualquer forma, é isso.


Um final de semana desses, quem sabe, eu apareço por aí e a gente conversa melhor sobre essa história doida ou sobre a situação dos ursos polares do Alaska. Você quem sabe. Eu já me decidi e perdi completamente a vergonha na cara de falar pra quem quiser ouvir destas borboletas que você soltou no meu estômago. Sem pressa, sem afetações, sem medo. Por você. Só por você.

sábado, 26 de julho de 2014

Te amo (novamente e como um idiota).



Abro mais uma janela. Penso. Repenso. Não quero ser lembrado por parecer um menino da quarta série se declarando para a bonitinha da sala pela internet. Gosto de pele, de sentir as mãos suando frio, dos olhos viajando dentro de outros olhos. Mas, se não for assim, como vai ser? Procuro no bate papo; a bolinha verde ao lado do seu nome me convida. Okay, lá vamos nós.

Seria estranho dizer que eu tô afim de você? Bom, eu sei que já se passaram quatro anos, que eu não me despedi e que eu nunca mais cruzei com seu nariz rosado às oito e quinze da manhã mas, olha só, não sou eu quem manda nessa porra, não sou eu quem decido com quem vou sonhar esta noite ou com quantas garrafas de vinho barato vive um coração já tão sem saída. É foda. Não sei nem por onde começar. De qualquer forma, fica.

Ontem eu esperei encontrar você naquela festa mesmo sabendo que você está à quinhentos quilômetros de distância e procurei seus olhinhos em cada rosto perdido na multidão como um idiota. Isso, como um idiota. É o que acontece quando não se tira alguém da cabeça, quando teu nome aparece onze vezes a cada dez palavras que eu digo. E meus amigos riram de mim. E eu ri de mim também. 

Sei que dizer isso tudo soa imensamente imbecil nesta altura do campeonato mas, veja bem, eu prefiro um zilhão de vezes me propor ao ridículo e ter a esperança de que você pelo menos me escute com atenção do que ficar calado e assistir um outro cara bizarro fazer o mesmo e te roubar pra sempre de mim. Coisa de gente apaixonada, não me leve a mal. Um dia, quem sabe, iremos rir de tudo isso e lembrar apenas como um capítulo desajustado da nossa timeline. Ou não. Ou poderemos estar casados, como prefiro. Agora é com você.



terça-feira, 22 de julho de 2014

Deixa ser assim.

Lembro de você e isso não combina com esse filme do Fassbinder. Aposto, agora quase acordado, que você vai voltar qualquer dia desses pra revirar outra vez meu edredom. Conheço seu ritmo. E não, não estou aqui pra te julgar e, pra te falar a verdade, eu até gosto. Mas vê se desta vez você arruma um tempinho pra ficar um pouco mais, tem sempre mais um final de história que a gente precisa descobrir. De resto as coisas podem continuar deste mesmo jeito. A gente se encontra sempre neste mesmo lugar. Sem cobranças. Sem afetações.

Não sei por que sonho sempre com você. Você que passou da moda faz tanto tempo, você que eu nem vejo há sei lá quantos anos, você que eu faço um esforço do cacete pra esquecer. Muito menos o motivo de você aparecer tão doadora, puta por ter te deixado, chorando para, desta vez, eu ficar. Não sei. O expresso da saudade vem de longe soltando seu apito: tô chegando, tô chegando... e eu me pego com você em frente a uma feira discutindo Rimbaud ou dividindo o sofá com o John Lennon, todos nós, juntos, pra assistir Ana Maria Braga. Você sempre me olhando com estes olhinhos que eu conheci tão bem.

Você que nem liga mais, qual são as chances da gente se encontrar por aí de novo? Respiro mais fundo, fecho os olhos, tento dormir outra vez. Eu te comprei um presente. Espera, na verdade, fui eu quem fez este presente. Maneira boba de enganar o tempo, não deixar ser passado, tanto faz. Tento te puxar de volta e você não vem. Justamente agora que eu estava indo até bem com essa história de me apaixonar por você novamente.

Sonho: uma maneira que a gente descobriu pra se encontrar dormindo, mesmo quando júpiter não estiver em saturno que é, se você fizer as contas, o nosso tempo. E eu me deixo levar por que ninguém está vendo e dane-se o que vão pensar. Dois seres oníricos de carne e osso desestruturando a matéria. Dois bobos que morrem de vergonha de pegar o telefone e discar o número um do outro e dizer ei, essa noite eu tive um sonho tão estranho... Dois perdidos em uma situação maluca. O amor resolve. Só o amor. Não se iluda.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Paraíso atemporal



Na cela das horas em que nos dedicamos as mais belas coisas, dois por dois de tamanho e um café às três da tarde, é onde me encontro. Preso no tempo em que olhares causavam tanto êxtase quanto uma banana split de chocolate, baunilha e morango. Um auto exílio. Uma rendição sem luta. Pura vontade de voltar a condição de seu e sair por aí como dois perdidos pela noite imensa.

Eu tenho por você a maior admiração e desejo cada milímetro do seu corpo claro. E peço mais um chopp sempre que posso me lembrar de você. No momento que você já não está mais em mim é onde procuro cada sutileza sua que ficou no quarto. Um aperto repentino nas mãos, uma gota de suor a mais. A leveza com que você se foi é tão poética e linda que eu preferi fazer uma canção de amor a ignorar sua partida. Agora essa despedida dói como um samba do Noel.

Se nos deciframos por quê agora, justo agora, não ter mais você aqui? Agora que conheço todos os seus signos e chamo de inefável qualquer gesto seu. Agora que me permito ouvir o rádio dizer como devo prosseguir e que aquela música, a nossa música, toca de cinco em cinco minutos Agora que eu sou mais seu do que nunca. Agora que nunca tem se tornado uma palavra tão habitué em nossas bocas. Já nos devoramos, esfinge, e agora?

Devo te dizer que passei a ver as coisas como você veria e passo as tardes a me perguntar se você compraria Germinal ou Naná, do Émile Zola. Ou até mesmo se você guardaria essa grana pra ir assistir o novo filme do Lars Von Trier. Aqui você me pediria uma opinião mesmo sabendo que eu diria pra você que vale mais uma Times Square nas mãos do que dois Boulevard na Champs-Élysées voando. E você riria sem entender enquanto pegava Uivo, do Ginsberg, das minhas mãos. Nos completávamos.

Hoje eu vejo uma foto sua com esse novo rapaz que anda sorrindo ao seu lado e não esquento. Faria o mesmo se fosse eu a dividir o retrato com você. Só peço que sejam felizes como fomos e que se amem como nos amamos - se é que um dia isso seja possível. Que beijem o que já não posso beijar. Que escutem o que já não posso escutar e decidam um pelo outro cada vez que o mundo exigir. Sem mais, te amo.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

De passagem.



Sempre que passo por você eu fico pensando baixinho: você ainda vai ser minha. Mas entenda, não é minha por ser minha, minha por pura possessão. Minha pra ficar andando de mãos dadas no shopping, minha pra assistir um filme bobo na mais chata das chatas quartas feiras. Minha pra contar o que aconteceu no meu dia. Meu ouvido, minha boca, meu outro corpo.

Enquanto isso vou falando nas entrelinhas pra ver se você me entende e te ligo pra contar as coisas mais sem sentido que eu possa inventar. Dizer por exemplo como são interessantes as árvores do cerrado e o céu de Brasília. Você quase sempre, do outro lado, se perguntando por que ter me atendido as duas da manhã só pra ouvir como são belas as andorinhas as seis da tarde. Mas não me canso e insisto em te provar que sempre há algo mais nestas palavras roucas.

Sempre que passo por você eu me desfaço, é fato. E vou passando o resto do meu dia tentando recompor os meus pedaços. Andando de um lado para o outro esperando você me trazer o tanto que ficou em você, meu tempo e calendário, meu sorriso e minha paz. Olhando pela janela pra alcançar qualquer pouco de você pelas ruas. Eu me rendo, já me rendi e você sabe.

Sempre que passo por você é sempre a mesma história - um relicário de sensações que não se decifram, um misto de loucura com jasmim. E não há outro caminho ou passagem, sou obrigado a me perder no infinito doce do seu olhar todo santo dia. E agradeço a Deus por isso. Não me vejo assim faz tanto tempo que eu prefiro mil vezes estar completamente perdido por você do que encontrado em qualquer outro lugar.

Sempre que passo por você, doce, dulcíssima moça, também me deixo. Não existe outra forma de seguir em frente. O que há é também fixação. Vem um pouco de ti e fica um tanto de mim.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Quando alguém passar pela porta.



Ela tinha uma coisinha de ficar tamborilando com os dedos sobre a mesa do trabalho. E virava a cadeira pra lá e pra cá impaciente, como se esperasse alguém entrar pela porta de vidro. Um jeito meio estranho de receber as pessoas que chegavam - o olhar denunciando a decepção por, mais uma vez, ver que quem discava o interfone não era seu grande amor.

Por dias, sei lá, meses até, ela foi ficando ali na expectativa de ver tudo mudar num simples girar da maçaneta do blindex e nada. E ela passava a mão pelo cabelo loiro e batucava e girava mas ninguém aparecia. Dava bom dia para o zelador, bebia mais um café. Uma hora alguém tinha que aparecer. Não precisava usar terno de linho nem ter um sapato de verniz. Podia ser um cara normal mesmo, de camiseta e tênis procurando saber onde ficava a parada de ônibus. Assim eles poderiam cruzar seus olhares perdidos, ei, aceita sair comigo na sexta depois do trabalho? Mas nada. 

Um dia, como qualquer outro dia, ela foi ficando cansada de tanto esperar e subiu pra ir ao banheiro. E foi quando estava disfarçando suas lágrimas com rímel que alguém teve que abrir a porta pra ele entrar. Meio tímido, o olhar no chão como a contar degraus, se esbarraram na escada. Não houve atrevimento. Mas seria impossível negar que ficaram ali por muitos instantes, lendo um o sorriso do outro e atrapalhando o caminho. E ela não sabia o que fazer. Ele muito menos. Despediram-se com a melhor cara de nada que encontraram no momento.

E desse dia em diante ela deixou de olhar impacientemente para a porta de vidro, não se importava mais com a maçaneta e nem batia mais na mesa. Passou a usar um batom vermelho vibrante pra decorar o bom dia quando ele chegasse. Agora trabalhavam juntos e tinham que se esbarrar na escada todos os dias as dez da manhã. Ela contou a sua espera. Ele as suas despedidas. E foram almoçar juntos. Um manual de conquistas em cada coisa que faziam. Ele escrevia poesia. Ela adorou conhecer alguém que escrevia poesia. E passaram a conversar mais e mais e mais.

Até que numa terça feira ele não passou pelo blindex. Tinha voltado pra sua cidade resolver sei lá o quê. E os sonhos foram ficando na gaveta sem nenhum abraço ou telefonema. Ele não queria voltar e se perder todo dia naquela mesma hora da manhã. Ela tinha comprado uma caderneta com a foto do Bourroughs para lhe dar de presente. Até que ela também não apareceu. E não teve mais ninguém pra abrir a porta.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Filosofia do tato.



Era tudo seu e eu nem sabia. Cada parte daquele lugar tinha uma coisa que, por mais indecifrável que fosse, lembrava você. E eu te dava bom dia sem saber que você era dona de tudo aquilo. Dona por que ali tinha um toque seu. Não um toque na decoração da sala ou no design das saboneteiras de aço escovado do banheiro. Eram toques, marcas de dedo e suor no armário, na prateleira, na garrafa de café. Bobo como sou, também fui me encostando devagarinho, pouco a pouco, e me perdendo neste orgasmo alquímico de sentir você onde você já não estava mais.

Um dia eu também não estava mais lá e tudo era frágil demais para que alguém se desse conta. Mas suas digitais ficaram nas minhas digitais como um menino que não quer largar o doce, como a loucura não larga a película de Buñoel. E eu vou te levando com o cuidado e a delicadeza que merecem os seus grãos de matéria invisível na ponta dos meus dedos. Guardo para sempre cada pouco que for seu.

E, penso agora, nossas mãos, de fato, nunca se encontraram. Mas, como tudo, o papel do sonho de valsa que te dei, em algum lugar, também é detentor do nosso aperto comovido e inexistente. Um pedacinho de papel de bombom a vagar por aí carregando toda a sentimentalidade que é só nossa. Aqui comigo a certeza desesperada de te encontrar logo, em carne viva, para um encontro de corpos menos informal.

Só eu, eu e o caracóis que vivem a roçar por aí, sabemos que alguma coisa fica deste toque. Senão a eternidade, pelo menos o rastro que mostra o caminho.

O dia.



Naquele mesmo dia que eu te jurei pela enésima vez que iria devolver Nick & Norah para a locadora. Naquele mesmo dia em que o vizinho chegou de madrugada tocando o foda-se. Naquele mesmo dia que comprei o box dos Beatles para o aniversário da sua mãe. Naquele mesmo dia que você foi de ônibus por que deixou o carro travar com a chave dentro. Naquele mesmo dia que o chaveiro não apareceu. Naquele mesmo dia que choveu. Naquele mesmo dia que eu chorei por você não voltar.

Naquele mesmo dia que eu quebrei seu relógio. Naquele mesmo dia que eu me arrependi por falar as coisas mais terríveis ao telefone. Naquele mesmo dia que você mudou o número do celular. Naquele mesmo dia que as suas coisas passaram a não ter mais valor. No mesmo dia que valor passou a ser uma palavra sem sentido. Naquele mesmo dia que fiz pipoca para assistir de novo Nick & Norah. Naquele mesmo dia que a chave do vizinho babaca também abriu o carro. Naquele mesmo dia que sorvete de flocos passou a se chamar solidão de um litro e meio. Naquele mesmo dia que eu decidi te esquecer e não consegui.

Naquele mesmo dia que gastei uma nota preta em whisky doze anos. Naquele mesmo dia que eu descobri que preço não mata saudade. Naquele mesmo dia que eu não consegui dormir. Naquele mesmo dia que eu virei pensando no que tinha feito de errado. Naquele mesmo dia que não deu certo. Naquele mesmo dia que poderia ser diferente. Naquele mesmo dia que eu recebi uma mensagem da sua mãe. Naquele mesmo dia que eu violei a embalagem de Magical Mistery Tour. Naquele mesmo dia que parou de chover. Naquele mesmo dia que eu quis que fosse mentira.

Naquele mesmo dia que eu dei bom dia pra você com o sorriso mais sincero. Naquele mesmo dia que você acendeu um cigarro e nem percebeu. Naquele mesmo dia que eu quis ficar na cama. Naquele mesmo dia que você saiu. Naquele mesmo dia que eu te disse que era minha folga. Naquele mesmo dia que eu gostaria de ter trabalhado pra não pensar bobagem. Naquele mesmo dia que tudo acabou. Naquele mesmo dia que implorei pra recomeçar.

Naquele mesmo dia eu ainda espero um buquê de flores ou um cartão. Naquele mesmo dia eu ainda espero ver você entrando. Naquele mesmo dia eu decido que eu não quero mais mudar o calendário. Naquele mesmo dia que ainda não passou. Naquele mesmo dia que eu estou permanecido. Naquele mesmo dia que o seu silêncio não muda nada. Naquele mesmo dia eu sonho com aquele dia que um dia, fatalmente, chegará.


sexta-feira, 4 de abril de 2014

3x4


Ela não queria mais ser fotografada. E selou um pacto silencioso com o espelho: não te ligo e nem você me telefona. Não por que tinha nascido uma espinha bem na ponta do seu nariz ou por que sorvete de chocolate é mesmo uma delícia. Era algo mais. Era como se fosse alguma coisa bonita -só que feia. E, a priori, não queria pensar no assunto: lhe bastavam os retratos do colegial e as sentimentalidades que enfeitavam sua pose.

Uma hora ele vai ter que telefonar, ela pensava. Fantasiava o instante em que aquele babaca que a amava se arrependesse de aceitar o seu fora, o momento em que ele esquecesse sua submissão em acatar todas as palavras duras que ouviu. E aquilo foi roubando de pouquinho em pouquinho a sua alma, como se imprimisse na emulsão de prata aquela falta de cor, aquele preto e branco indiscreto. Talvez por isso passou a viver com os olhos baixos, a fuzilar o celular. Mas ele não ligou.

Alguém poderia lhe interromper na rua, alguém que lhe falasse umas boas verdades na frente de todo mundo na padaria, afinal de contas, uma merda monumental como esta, de deixar passar aquilo que os inocentes emocionais chamam de alma gêmea não poderia passar despercebida. Nada. Sua dor, capturada pela infinitésima fração de segundo do diafragma, era só sua. E, como uma foto três por quatro que a gente esquece na carteira, tudo estava ali e já não estava mais.

De qualquer forma (e não importam quantos sóis apareceram para acordá-la), um dia ela amanheceu pra dentro. Levantou-se e vestiu o coração com o melhor colorido que havia em seu armário decidida a revelar seus negativos. Bem que tentou ligar ela mesma pra ele, de repente ouvir alguma coisa boa que ajudasse a regar as margaridas na janela. Caiu na caixa todas as vezes e o recado que, lívida, ela deixou não poderia ser mais pertinente: foda-se.

Sacou a câmara e saiu tirando várias fotos de si mesma pelo mundo, preenchendo com sorriso e botox seus espaços vazios. Uma fotografia honesta, sem photoshop de quem aprendeu que cabeça erguida é sempre seu melhor ângulo.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Se há.



Eu queria mesmo saber se você ainda se lembra de mim. Sabe, não desse jeito nostálgico e idiota que me lembro de você. Se você lembra quando a gente se conheceu, você ainda de cabelos vermelhos encaracolados usando um aparelho de bréquetes horríveis. Por que as vezes me esqueço e não quero esquecer e isso me dá um nó no estômago só de pensar que posso perder a única coisa que você deixou aqui: a saudade.

Se você se lembra de quando pedi salmão pra nós dois e você odiava salmão, se você ainda tem aquela foto de quando desci do carro quando íamos pro sítio, aquelas pequenas coisas que vão se empilhando nas prateleiras e que a gente uma hora tem que jogar fora. Você se lembra de alguma delas? Eu já não tenho mais nada fora essa imensa vontade de voltar no tempo e dizer ei, você tá linda, só vou na frente por que estou com pressa. sem grilo e saber que você não se sentiu uma imbecil por amar aquele moleque que não gostava de andar de mãos dadas.

Queria saber se você tem alguma coisa de mim por aí, aquela peça que hoje me falta pra eu me sentir inteiro novamente. Um livro, uma revista rara que, de repente, eu possa ter esquecido no seu quarto ou até mesmo um ponto final. Me diz, o que de mim ainda te perturba, que superfulo necessário você não quer jogar fora? Saber se você ainda continua tendo aqueles pesadelos, se conseguiu, enfim, sentir-se realizada com aquela porra toda que você faz por que leu em algum lugar ou se ainda só consegue dormir se estiver abraçada com o ursinho cor-de-rosa que dei.

Menina mulher, flor temerária, faz tanto tempo que a gente não se vê e saber que você está feliz me dói. Dói pra caralho por que também estou feliz e há cinco anos atrás o plano era sermos felizes juntos e não assim, cada um pro seu lado. Talvez não gostasse de você tanto assim e nem você se interessasse de verdade nos meus papos pequeno intelectuais, mas havia ali alguma coisa que ficou. E aí, será que você ainda lembra de mim?

Será que você sente o mesmo carinho que eu sinto quando vejo uma foto sua celebrando uma nova conquista e pensa em silêncio que poderia estar ali? Será que você ainda lembra de mim orgulhoso por estar com a mais querida entre as mais queridas das minhas namoradas? Ou será que me esqueceu como esqueci o dia do seu aniversário e o segundo nome do seu ator predileto? 

Me encanta e isso basta. De qualquer forma estaremos na nuvem, no gerenciador de arquivos infinitos, das memórias das horas mais bonitas e dentro de tudo aquilo um dia a gente chegou a acreditar que era nosso.
Na canção que te fiz e nos olhares que me lançou. Na eterna forma de amar alguém que marcou um pedaço da sua história e coloriu o silêncio do calendário com o céu de tanto tempo atrás.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Filosofia.



*Não faço sala para o ciúme. Ciúme é coisa de quem só tem tesão. Eu tenho orgulho e o tesão é apenas uma parte dele.

*Solidão é algo que se constroi a dois. Nenhum edício, ainda que no meio do nada, é erguido sozinho.

*Uma rua jamais será a mesma depois que passamos juntos por ela. Sempre haverá um pouco de nós dois em cada letreiro
de neon.

*Você não sente falta dele. Sente fome ou uma saudadezinha das janelas de madeira do seu quarto antigo. Por ele, talvez,
ainda seja amor.

*Me afeto com cada incidência de luz; sou como emulsão de prata, quanto maior seu colorido, melhor a fotografia.

*Ainda que eu esteja em seu calendário e você na minha guitarra, não há nada que nos prenda. Isso é só a canção dos dias.

*Algum dia outro passará os dedos por entre seus cabelos azuis e não seremos mais do que uma calçada pisada e uma música
dos Stones.

*Quero conhecer cada milímetro da tua língua. Cada espaço vago do teu corpo. Um dia tudo isso vai passar.

*Posso pirar e querer descobrir como vivem os guaranis do médio xingu. Ao voltar só quero um abraço teu e um chopp sem
colarinho.

*A vida é selvagem e ensina todo dia a voltarmos a viver como bichos. Qualquer olho no olho é sinal de sofisticação.

*Delicadeza é indicativo de que se está pleno com tudo isso. Delicadeza demais, não me leve a mal, é omissão.

*Vermelho é lindo no batom, nunca nas unhas do pé. Casamentos terminam por coisinhas pequenas que poderiam ser evitadas
com sabedoria estética.

*Talvez nunca lhe mandarei flores ou chocolates. Fica apenas a certeza de que te quero e que me bastam estas tardes ao
teu lado.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Soft Erotic Project



Ela era uma grande amiga. E ainda é, eu acho. Faz duas semanas que não a vejo e me sinto meio babaca por não ter ligado no dia seguinte. As vezes me pego pensando que o que aconteceu serviu como uma lição dolorida para nos aconselhar a não misturar as coisas, a daqui pra frente aprender a lidar com certas situações que nos aparecem como um elefante cor-de-rosa bem  no meio do eixão: bom, é estranho, mas é Brasília e em Brasília tudo pode acontecer. E tudo parece agora esquisitão depois do dia em que nós não fizemos amor.

Era bem tarde, já passava das duas da manhã, eu acho, quando meu telefone tocou. Estava saindo de um buteco com alguns amigos e ela dizia que precisava falar comigo. Ela morava em um apartamento no mesmo prédio que eu e quando fui ao seu encontro, ela já estava virando a chave. Nossos apartamentos não serviam como palcos do que ela queria dizer, muito pessoal, falou ela, cheio de coisas que nos lembram tantas outras coisas. E a gente saiu no jipe prata dela, perdidos na madrugada pela w3.

Tudo fechado. Tentamos até disfarçar com uma cerveja na frente do supermercado vinte e quatro horas mas ela tinha assunto pra virar a noite, e era sexta, então pra mim tudo bem. Sugeri que alugássemos um quarto de motel que, assim, poderíamos ver o dia nascer enquanto tomava uns bons drinks e ela vomitasse toda sua ira por não conseguir encontrar o fio da meada da monografia, suas tretas com a orientadora substituta e seu amor pequeno burguês com o professor de teoria crítica e história da arte. Péssima ideia. Percebi de cara assim que ela aceitou.

E tudo parece esquisitão depois do dia que nossos olhos se encontraram pra valer, semi nus na banheira de hidromassagem, falando de coisas sem sentido depois da septuagésima marguerita. Tanta coisa pra nos incomodar, nos intimidar - tinha esquecido de cortar as unhas do pé e você a parte de cima da lingerie - e a gente se acanhou só por que, depois de quase três anos, a gente enxergou dentro um do outro a peça chave que faltava em nossos quebra cabeças. E a gente riu.

Lá pelas cinco da manhã pagamos a conta de tudo isso que aconteceu e nos despedimos ainda na garagem do nosso prédio. Um abraço meio envergonhado e a gente caminhou, cada um para o seu lado, procurando as chaves e tendo a certeza de que tudo tinha mudado naquela noite. De qualquer forma, minha amiga, foi bom te conhecer.

Do que dizem.



Quando Elano se olhou no espelho observou uma pequena cicatriz no ombro esquerdo. Elano estava nu e sentia todos os poros como se fosse a primeira vez; o suor a florescer tímido e escorrendo pela pele, os fios de cabelo molhados. Ficou ali por alguns instantes se perguntando como só havia notado aquela marca agora, depois de tanto tempo de amizade com aquele corpo que foi lhe dado como presente ao ingressar na deliciosa tarefa de viver.

A cicatriz era bem nivelada, não era algo que causasse espanto. Conferia até um charme maduro em sua simetria quase perfeita com os ombros largos de Elano. Vestiu-se. Mariana não estava mais ali para dividir com ele a nova descoberta. Mariana agora era um retrato na sala e sua foto parecia não se interessar nem um pouco com essa história. Elano acreditou não ter visto a cicatriz por que Mariana dormia sempre com a cabeça no seu ombro esquerdo. E Mariana parecia rir disso na foto sobre a prateleira..

Pra dor de amor não há aspirina que resolva, o jeito é colocar aquela música dos Beatles e deixar que a vida toque no seu ritmo. É muito fácil dizer que tudo bem quando se tem um estoque de pequenas coisas pra cuidar, mas Elano só tinha que tirar a poeira da fotografia de Mariana duas ou três vezes por hora. De resto pode-se dizer que o mundo fica imensamente feliz com um bom rock inglês.

Mariana havia ido embora com tudo - levou as pernas do retrato, os cabelos do retrato. Mas Mariana, curiosamente, ainda estava ali pregada naquela fotografia. Seu sotaque horrível, sua mania linda de tomar banho de porta aberta e seu jeito colorido de arrumar as canecas no armário. Sim, a cicatriz! Mariana deixou em Elano a cicatriz que tinha no tornozelo. É isso! Mariana queria se fixar na pele calma de Elano, onde as gotas de suor nascem e escorrem lentamente, a marca indelével de suas histórias, o verdadeiro retrato do que ficou.

Elano bebeu o que restava no copo e saiu. Dizem que Elano comprou uma casa na Guarda e oferece cadeiras de praia pra ganhar o pão desde que descobriu que sua cicatriz deveria estar sempre exposta, sob o sol de Floripa, para o mundo ver que naquele corpo o amor já fez morada.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Femme Bleue




"Era solteiro por amor: terceiro mistério. 
As mulheres feias achavam D.J. horrível, 
mas as belas gostavam dele, e D.J. teve quantas quis,
 até o dia que descobriu que só as mulheres azuis 
faziam os homens felizes."

A morte de D.J. em Paris - Roberto Drummond*

A lua sobe e a sua sombra se transforma. Grande e esmagadora criatura se rebelando contra o criador, sentinela indorme reivindicando sua parcela de vida à contra luz. E crescia ao passo que a lua subia, aumentando seus contornos de mulher, destituindo sua materialidade no balé do cosmo, sedutora como uma taça de vinho a produzir teu espectro na fina flor do paladar, indomável reflexo de sentidos. E foi aí que eu percebi: sua sombra, meu bem, é azul.

Um velho clichê do cinema usado desde que o mundo é mundo para instruir a vida aos melodramáticos, um método da pedagogia lunar - o amor é e sempre foi azul. Azul como os rios da sua pele. Azul como o primeiro elo da chama. Azul como o céu infinito. Aqui eu me dou conta de que estive errado o tempo todo ao te dedicar tantos sentimentos policromáticos. Bastava o azul da lua que sobe pra alimentar a sua sombra intransponível.

Pego o telefone, penso em te ligar; ei, você deixou sua enorme sombra azul aqui, não percebeu? mas, abrupto, paro. Tenho medo que você ande por aí meio esquecida imaginando ser seguida por outra sombra que não a sua. Uma outra sombra que, apesar de azul, te confunda. Penso em mandar uma carta - até que os correios lhe entregue, talvez, a sua melindrosa companheira volte ao intrépido compasso dos seus passos. E a sombra continua a crescer, como uma poça d´água na chuva, alimentada pelo satélite que flutua ao redor do meu universo particular.

Como uma grávida, eu passo a ter fome do seu azul. Me agacho, deito, rolo. A sombra está ali e não está. Estendo a mão. Ela, o antagonista azulado, também. E as mãos não se tocam. Eu choro. Debruçado no teu reflexo ciano escuro, a sonhar com teu azul na minha boca, invadindo sem vergonha meus pulmões como a fumaça cinza do cigarro, a misturar-se com a minha própria sombra na dialética pura do amor. Eu que estou aprendendo a amar até o teu espectro noturno, choro na tua poça de lua azul.

O dia claro amanhece. Acordo e sua sombra já não está ali. Procuro no banheiro, por debaixo dos tapetes, em tudo você não está. Irônico, meu reflexo me segue como um mímico de quinta. Não é você que eu quero, o que eu desejo é a grande sombra azul que se perdeu.


* Este texto foi inspirado no conto supracitado. Eu o li no livro Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século, do Ítalo Moriconi. Genial, lindo e, apesar de muito longo para o formato, é delicioso. Se você tiver um tempinho para procurar, pode ser que o encontre na internet. Ah, e já virou até curta metragem: http://www.youtube.com/watch?v=xVpPcFYrtGQ.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Borda.




Ela caminha pela borda da piscina. Quase posso sentir seu cheiro agridoce de maçã. Mas hoje ela não se perfumou. O olhar fixo no infinito deixa transparecer sua quase falta do que pensar - e ela repetia a si mesma: templo do amor, templo do retorno. Pra dizer a verdade, ela nem queria estar ali. Mas se propôs a testar seu ceticismo, a acreditar que o que está acabado não volta e entrou no carro para descobrir que cada pedra no caminho tem mais histórias pra contar do que ela imaginava.

Ela caminha pela borda da piscina. E pede uma Skol, é óbvio. Agora ela escancara os olhos caramelos mirando aquele que havia, tão bruscamente, lhe prometido tantas coisas bonitinhas na frente do juiz. E ela o amava. De qualquer forma, precisava conter seus impulsos para não confundir seu nome e se encontrar numa roubada sem tamanho justamente na sua tão sonhada lua de mel.

E eu também caminho pela borda da piscina. Bom, na verdade, eu nem estou ali. Talvez, e apenas, na borda dos seus pensamentos vagos. Tenho a mesma cara de cínico de quando te conheci. Falo muitos palavrões e a gente ri. Te faço um carinho na fronte, dou meia volta, te peço em casamento. Mas não. Eu, definitivamente, não estou ali. E sumo da tua alegoria fantasmagórica quando ele, que está lá, te puxa pelo braço e te beija apaixonado como um ator mais ou menos da novela das oito.

Na borda da piscina eu vejo que não te esqueci. Que te perdi, provavelmente, pra sempre. Na lúdica piscina que existe e que não caminho só há vocês dois. E, por lembrar, me pergunto como se sente estando na loucura de querer ver perpetuado o amor onde o amor já foi. E, por lembrar, desejo sorte em tudo. O que ficou já não há. 

Ela caminha pela borda da piscina.

sábado, 4 de janeiro de 2014

Tratado das duas letras.



Você disse põe ali e eu pus. Cálice domesticado. Vinho tinto. A vida que não lhe ponho a prova é o que deseja - falta-me o pressuposto do eterno. Aprendo o que é bom: não tenho certeza de nada ao entrar no seu labirinto. Chama-me de Troffau e eu pareço mesmo um menino selvagem. Com quantas entradas triunfais pelo tapete vermelho um cara comum pode se achar um ator? Eu antevejo seu gesto - articulo a mudança para que você perceba que é aí que você quer ficar.

E o vinho cai e se espalha. Desculpa a minha avidez. Quando te conheci era tão calmo e hoje quem me vê diria que sou teu Chapeleiro; a maluquice que te embebeda na metade do caminho, a loucura que se chama assim pelo teu sentido arbitrário. Eu. E olha que coisa doida, estamos aqui a entornar o profano a goles pesados. Como eu sempre quis e não sabia.

Tem tanta gente que pensa o mesmo e não quer nem saber. Você nem se preocupa. Bota essa confiança pra eu mensurar tua sensibilidade. Eu ergo a voz pra mostrar que sou de verdade. E você ri. E é engraçado mesmo por que pareço um bicho. Chama o Baudelaire e vê o que ele acha dessas flores do mal. Chama Wundt pra curá-lo antes que ele enlouqueça. Ei, alguém aí tira uma foto!

Toco uma balada na flauta de tuas vértebras e me lembro do cubo futurismo russo. Pertinente apesar dos pesares. Daria um soco em Marineti pelo roubo. E pelo apoio ao fascismo. Mas isso não vem ao caso. Kazuo aparece e se remói por não estarmos no eixão na hora da luz perfeita. Ora bolas, nem tudo é arte! E continuo por que é meu dever e me sinto feliz por estar cumprindo meu papel. Você passa o dedo pela bochecha carmim e diz segredosa 'pára como isso'. O mundo andou mesmo complicado.

Desliza leve e tira de mim o desejo do pra sempre. O sol derretendo as asas de Ícaro. Olho pro labirinto. Olho pra você. Abro a janela pra saber se há lá fora algo de diferente. Acendo um cigarro.