segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Femme Bleue




"Era solteiro por amor: terceiro mistério. 
As mulheres feias achavam D.J. horrível, 
mas as belas gostavam dele, e D.J. teve quantas quis,
 até o dia que descobriu que só as mulheres azuis 
faziam os homens felizes."

A morte de D.J. em Paris - Roberto Drummond*

A lua sobe e a sua sombra se transforma. Grande e esmagadora criatura se rebelando contra o criador, sentinela indorme reivindicando sua parcela de vida à contra luz. E crescia ao passo que a lua subia, aumentando seus contornos de mulher, destituindo sua materialidade no balé do cosmo, sedutora como uma taça de vinho a produzir teu espectro na fina flor do paladar, indomável reflexo de sentidos. E foi aí que eu percebi: sua sombra, meu bem, é azul.

Um velho clichê do cinema usado desde que o mundo é mundo para instruir a vida aos melodramáticos, um método da pedagogia lunar - o amor é e sempre foi azul. Azul como os rios da sua pele. Azul como o primeiro elo da chama. Azul como o céu infinito. Aqui eu me dou conta de que estive errado o tempo todo ao te dedicar tantos sentimentos policromáticos. Bastava o azul da lua que sobe pra alimentar a sua sombra intransponível.

Pego o telefone, penso em te ligar; ei, você deixou sua enorme sombra azul aqui, não percebeu? mas, abrupto, paro. Tenho medo que você ande por aí meio esquecida imaginando ser seguida por outra sombra que não a sua. Uma outra sombra que, apesar de azul, te confunda. Penso em mandar uma carta - até que os correios lhe entregue, talvez, a sua melindrosa companheira volte ao intrépido compasso dos seus passos. E a sombra continua a crescer, como uma poça d´água na chuva, alimentada pelo satélite que flutua ao redor do meu universo particular.

Como uma grávida, eu passo a ter fome do seu azul. Me agacho, deito, rolo. A sombra está ali e não está. Estendo a mão. Ela, o antagonista azulado, também. E as mãos não se tocam. Eu choro. Debruçado no teu reflexo ciano escuro, a sonhar com teu azul na minha boca, invadindo sem vergonha meus pulmões como a fumaça cinza do cigarro, a misturar-se com a minha própria sombra na dialética pura do amor. Eu que estou aprendendo a amar até o teu espectro noturno, choro na tua poça de lua azul.

O dia claro amanhece. Acordo e sua sombra já não está ali. Procuro no banheiro, por debaixo dos tapetes, em tudo você não está. Irônico, meu reflexo me segue como um mímico de quinta. Não é você que eu quero, o que eu desejo é a grande sombra azul que se perdeu.


* Este texto foi inspirado no conto supracitado. Eu o li no livro Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século, do Ítalo Moriconi. Genial, lindo e, apesar de muito longo para o formato, é delicioso. Se você tiver um tempinho para procurar, pode ser que o encontre na internet. Ah, e já virou até curta metragem: http://www.youtube.com/watch?v=xVpPcFYrtGQ.

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