quinta-feira, 4 de julho de 2013

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Virou a esquina, deu um tropeço e olhou pro alto. Os livros caíram no chão e dali pra frente ele não teria mais certeza de nada. Poderia ser uma pedra, poderia ser um buraco ou uma lata de lixo, mas não. Se levantou ainda mole, ajeitou a camisa e ficou ali, imóvel e, alguns diriam, inconveniente.

Havia tropeçado nos pés de outra pessoa. Outra que também vinha, no sentido contrário, virar a esquina. Do lado oposto, do outro lado da história, alguém também caiu. Com seus olhos de um negro profundo, o vestido com estampas florais, ela foi colocando de volta na necessaire a maquiagem que se espalhou na calçada. Alguns poderiam dizer que foi descuido, outros, que isso acontece, mas ninguém se atreveria a decifrar o exato instante em que se fitaram, tímidos, sacudindo a poeria, no cruzamento de duas avenidas.

Ele sempre foi um cara inconstante, tinha trabalhos inconstantes, amores inconstantes, sorrisos que se perdiam. Um dia resolveu mudar de cidade, de plano e deixar o cabelo crescer. Arrumou um emprego num café perto do seu novo apartamento e foi conhecendo alguns amigos, os amigos dos amigos e, como era de se esperar, uma garota que era amiga do cara que era músico, irmão do cara que estudava medicina, amigo do Ceará, o garçom que trazia a cerveja mais gelada no bar que eu frequentava.

Uma francesa que tinha vindo ao Brasil pra conhecer a família da mãe quando ainda era adolescente e acabou ficando, ficando até entrar na faculdade de artes, curiosamente para satisfazer os desejos da família do pai. Seus cabelos caramelos encaracolados impecavelmente bem cuidados e um sotaque engraçadíssimo foram o bastante pra que ele se apaixonasse perdidamente. Ele, com uma música do Chico e uma camisa do Chê, não demorou muito pra ganhar o coração da mocinha meiga de Marselha.

Não demorou muito pra que eles estivessem dividindo o mesmo teto e os mesmos sonhos. Iriam se casar em Bora-Bora mas a grana só deu pra uma recepção simples para os amigos mais íntimos regada a cerveja e salgadinho. Ele tirou os cartazes dos filmes que haviam na parede, menos os da Nouvelle Vague, esses ela pediu que deixasse em memória da pátria distante. Não tiveram filhos além da Lolita, uma fox paulistinha que não deixava ninguém do prédio dormir e o Neco, o vira-lata amante dela que volta e meia aparecia pra uma sacanagem no tapete da sala.

Foi tudo lindo. Só não durou. Ele ficou muito triste ao chegar em casa e se deparar com um bilhetinho rosa que dizia:

- Vou por saudade de casa. Não sei se volto. Se servir de consolo não levo nada, tudo fica. Até quem sabe um dia, Marcelle.

E ele foi levando. Se colocando de volta na linha, trabalhando. Sendo feliz do jeito que dava. Só não pensava virar a esquina e cair. 

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