sábado, 4 de janeiro de 2014

Tratado das duas letras.



Você disse põe ali e eu pus. Cálice domesticado. Vinho tinto. A vida que não lhe ponho a prova é o que deseja - falta-me o pressuposto do eterno. Aprendo o que é bom: não tenho certeza de nada ao entrar no seu labirinto. Chama-me de Troffau e eu pareço mesmo um menino selvagem. Com quantas entradas triunfais pelo tapete vermelho um cara comum pode se achar um ator? Eu antevejo seu gesto - articulo a mudança para que você perceba que é aí que você quer ficar.

E o vinho cai e se espalha. Desculpa a minha avidez. Quando te conheci era tão calmo e hoje quem me vê diria que sou teu Chapeleiro; a maluquice que te embebeda na metade do caminho, a loucura que se chama assim pelo teu sentido arbitrário. Eu. E olha que coisa doida, estamos aqui a entornar o profano a goles pesados. Como eu sempre quis e não sabia.

Tem tanta gente que pensa o mesmo e não quer nem saber. Você nem se preocupa. Bota essa confiança pra eu mensurar tua sensibilidade. Eu ergo a voz pra mostrar que sou de verdade. E você ri. E é engraçado mesmo por que pareço um bicho. Chama o Baudelaire e vê o que ele acha dessas flores do mal. Chama Wundt pra curá-lo antes que ele enlouqueça. Ei, alguém aí tira uma foto!

Toco uma balada na flauta de tuas vértebras e me lembro do cubo futurismo russo. Pertinente apesar dos pesares. Daria um soco em Marineti pelo roubo. E pelo apoio ao fascismo. Mas isso não vem ao caso. Kazuo aparece e se remói por não estarmos no eixão na hora da luz perfeita. Ora bolas, nem tudo é arte! E continuo por que é meu dever e me sinto feliz por estar cumprindo meu papel. Você passa o dedo pela bochecha carmim e diz segredosa 'pára como isso'. O mundo andou mesmo complicado.

Desliza leve e tira de mim o desejo do pra sempre. O sol derretendo as asas de Ícaro. Olho pro labirinto. Olho pra você. Abro a janela pra saber se há lá fora algo de diferente. Acendo um cigarro.

Um comentário:

  1. Existem textos que nos levam a outras dimensões e esse é um dele.
    Uma das coisas mais lindas na Literatura é poder transportar o leitor para outros mundos e você sabe fazer isso, de maneira encantadora e sutil.

    Está lindo, Kiko!
    Beijos meus

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