segunda-feira, 6 de julho de 2015

Enquanto for amor, lembrança.


Me lembro que tocava Blur quando eu vi você indo embora e se perder na noite escura. Você disse que já não dava mais e saiu carregando suas mágoas, algumas lágrimas e uma bolsinha de bordas douradas. Lembro que fiz uma cara de bunda, dessas que a gente faz quando finge não estar nem aí, antes de você se despedir e eu pedir a décima primeira dose de conhaque. Acho que não disse adeus. Acho que sequer olhei em seus olhos quando você partiu.

Me lembro que duas semanas antes do fim a gente estava até bem, até feliz por ter tomado a decisão de adotar um cachorro de rua ao invés de comprar um buldogue francês de sei lá quantas mil dilmas. Lembro quando a gente encontrou o Duque todo sujinho debaixo de uma árvore ostentando toda aquela vira-latice maravilhosa e você disse que, a partir daquele momento, ele seria nosso filho enquanto não tivesse filhos humanos e que, mesmo depois de nascidos, nossos filhos humanos seriam irmãos do nosso filho cachorro. E a gente riu disso. E a gente ficou puto com isso depois que descobriu que teria que se desfazer do carro por causa do cheiro que o Duque presenteou com sua chegada. E a gente riu de novo. Muito mais até.

Me lembro que a gente brigou feio naquela sexta a noite. Só não lembro o por quê. Talvez tenha sido pela toalha molhada em cima da cama, talvez por querer sair com aquela velha camisa do Hendrix que me fazia parecer um soldado hippie combalido acabando de chegar do Vietnã. Talvez por tudo isso e muito mais. Custo a acreditar em clichês estereotipados onde as mulheres brigam por falta de opção ou de assunto. Acho que foi um acúmulo de coisas que fiz e que deixei de fazer. Sim, foi isso. Um ponto pra mim por admitir com humildade meus erros e fraquezas.

Me lembro que não tocou Blur quando eu acordei. Me lembro que não tocava nada além do bumbo sem ritmo dentro do meu peito. Me lembro que senti uma falta imensa de ver você abrindo as persianas. Lembro que não consegui chorar. Era só lembrança e uma dor seca e funda - talvez apenas ressaca. Lembro que peguei o telefone mas não senti a mínima vontade de te ligar. Queria apenas ficar passando as fotografias pra lá e pra cá. Percebi que tinha vindo antes no apartamento e levado o cachorro. Me lembro ainda do bilhete: apesar do lindo desejo de ficar, sou obrigada a ceder à necessidade feia de partir. E talvez nunca mais voltar. Um beijo.

Pra me lembrar, agora, vira e mexe volto àquele bar e peço outro conhaque e confesso que nunca mais lavei o carro. Pra me lembrar de como era o seu rosto eu imploro a todos os caras fodões em computação que eu conheço para recuperar os arquivos que deletei do pc e do celular uma dessas noites pra trás. Pra me lembrar estou cuidando de outro dog simpaticíssimo a quem dei o nome de Duquesa (okay, ele é macho, mas juro que eu fico na expectativa dele e do Duque se apaixonarem e formarem o primeiro casal gay da história dos vira-latas). Pra me lembrar fico ouvindo mil vezes o recado da secretária que gravamos juntos: não estamos aqui, talvez uma outra hora. Até.

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