quarta-feira, 23 de abril de 2014

Quando alguém passar pela porta.



Ela tinha uma coisinha de ficar tamborilando com os dedos sobre a mesa do trabalho. E virava a cadeira pra lá e pra cá impaciente, como se esperasse alguém entrar pela porta de vidro. Um jeito meio estranho de receber as pessoas que chegavam - o olhar denunciando a decepção por, mais uma vez, ver que quem discava o interfone não era seu grande amor.

Por dias, sei lá, meses até, ela foi ficando ali na expectativa de ver tudo mudar num simples girar da maçaneta do blindex e nada. E ela passava a mão pelo cabelo loiro e batucava e girava mas ninguém aparecia. Dava bom dia para o zelador, bebia mais um café. Uma hora alguém tinha que aparecer. Não precisava usar terno de linho nem ter um sapato de verniz. Podia ser um cara normal mesmo, de camiseta e tênis procurando saber onde ficava a parada de ônibus. Assim eles poderiam cruzar seus olhares perdidos, ei, aceita sair comigo na sexta depois do trabalho? Mas nada. 

Um dia, como qualquer outro dia, ela foi ficando cansada de tanto esperar e subiu pra ir ao banheiro. E foi quando estava disfarçando suas lágrimas com rímel que alguém teve que abrir a porta pra ele entrar. Meio tímido, o olhar no chão como a contar degraus, se esbarraram na escada. Não houve atrevimento. Mas seria impossível negar que ficaram ali por muitos instantes, lendo um o sorriso do outro e atrapalhando o caminho. E ela não sabia o que fazer. Ele muito menos. Despediram-se com a melhor cara de nada que encontraram no momento.

E desse dia em diante ela deixou de olhar impacientemente para a porta de vidro, não se importava mais com a maçaneta e nem batia mais na mesa. Passou a usar um batom vermelho vibrante pra decorar o bom dia quando ele chegasse. Agora trabalhavam juntos e tinham que se esbarrar na escada todos os dias as dez da manhã. Ela contou a sua espera. Ele as suas despedidas. E foram almoçar juntos. Um manual de conquistas em cada coisa que faziam. Ele escrevia poesia. Ela adorou conhecer alguém que escrevia poesia. E passaram a conversar mais e mais e mais.

Até que numa terça feira ele não passou pelo blindex. Tinha voltado pra sua cidade resolver sei lá o quê. E os sonhos foram ficando na gaveta sem nenhum abraço ou telefonema. Ele não queria voltar e se perder todo dia naquela mesma hora da manhã. Ela tinha comprado uma caderneta com a foto do Bourroughs para lhe dar de presente. Até que ela também não apareceu. E não teve mais ninguém pra abrir a porta.

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