Ela tava assim, por assim dizer, de boa. Não tinha mais tanta pretensão de encontrar um cara montado em um cavalo branco que quisesse levá-la pro baile da primavera. Suas amigas a preenchiam como um chiclete no buraco do radiador. De qualquer forma, elas ajudavam. E mesmo que ela estivesse sempre vestida pra arrumar o boy do terceiro andar, andava preferindo voltar para o seu apartamento sozinha, abrir um vinho e assistir um filme do Godard. Mas havia algo que fazia falta naqueles olhinhos tão falsamente bem resolvidos. Talvez aquele cara de calça jeans e all star que a apoiasse quando fosse pintar as unhas de azul-bebê, um cara vestindo uma camiseta do Metallica que olhasse pra ela e dissesse com a maior calma do mundo você é linda, vai ficar tudo bem.
Essa não é uma história daquelas que duas pessoas solitárias se encontram, de repente, numa mesa de bar. Mas também não chega a ser um conto da Tati Bernardi onde quase tudo acaba mal. Um dia eles se esbarraram sem querer, como Eduardo e Mônica, numa festa estranha e com mais gente esquisita do que se pode imaginar. E começaram a falar perdidamente pela madrugada sobre cinema iraniano, Phillip Kotler e Cavaleiros do Zodíaco. Como se o mundo fosse acabar naquela noite se comeram com os olhos até o carinha do som botar pra tocar Take Your Time, do Fun, e fazer com que toda aquela timidez se transformasse em êxtase e vontade de sair por aí, só os dois, a desbravar o universo.
E assim eles se conheceram e não se desgrudaram mais. E naquela mesma noite ela foi morar com ele. E no outro dia foi a vez do Mario, o labrador caramelo, a se mudar. E Fun não parava de tocar. E ele também adorava Godard. E ela curtia muito quando ele dizia que tinha um certo Savoir Faire com o sotaque mais macarrônico que já tinha ouvido em toda a face da terra. Ele com seu all star desbotado e sua camiseta preta, ela com sua altivez e suas unhas azul-bebê. E as coisas acontecem assim: mesmo que ela não espere ou que os amigos dele o chamem de boiola pro resto da vida.
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